Translate

sexta-feira, 31 de maio de 2013

Povo Terena realiza nova retomada no Mato Grosso do Sul

Por Renato Santana,
de Brasília (DF)

Depois da morte de Oziel Gabriel durante reintegração de posse de fazenda na Terra Indígena Buriti na manhã desta quinta-feira, 30, as retomadas Terena continuam no Mato Grosso do Sul. Na madrugada desta sexta-feira, 31, indígenas ocuparam três mil hectares de um total de 12 da Fazenda Esperança, município de Aquidauana, a 140 quilômetros da capital Campo Grande.

A área faz parte da Terra Indígena Taunay/Ypeg, vizinha a Terra Indígena Buriti, reivindicada pelos Terena e já identificada com 33 mil hectares de terra de ocupação tradicional. A fazenda estava vazia e até o momento não há notícias de conflitos.

“Essas ações das comunidades (Terena) se devem ao fato de que o governo brasileiro não tem interesse de resolver a questão indígena. As retomadas são nosso último recurso para que as leis e nossos direitos sejam garantidos”, afirma Lindomar Terena.

Quase sete mil indígenas da Taunay/Ypeg vivem atualmente nos seis mil hectares de uma reserva demarcada pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI), na primeira metade do século XX, depois de serem retirados de território em que os 12 mil hectares da Fazenda Esperança incidem.  

“A fazenda possui quatro partes: Esperança um, dois, três e quatro. Cada um possui três mil hectares. O proprietário faleceu e as terras ficaram para a filha, uma empresária. Fomos retirados desse território numa época em que isso era tudo Mato Grosso e o Estado distribuía títulos de propriedade para os colonos que por aqui decidissem ficar”, explica o Terena.  

No Brasil, das 1043 terras indígenas, 40 delas – 3,83% - são reservadas, ou seja, demarcadas como reservas indígenas, caso da Taunay/Ypeg, ou dominiais, em situações onde os próprios indígenas compraram suas terras tradicionais. Depois da Constituição de 1988, os indígenas passaram a ter o direito de questionar juridicamente a demarcação de tais reservas.  

Conforme a liderança indígena, existem cemitérios e áreas sagradas dos Terena dentro das terras da Fazenda Esperança. No Museu do Índio, no Rio de Janeiro, há um documento, usado nos estudos antropológicos, que atesta a existência de uma aldeia no lugar do que é hoje a Fazenda Esperança.

Sem monocultivos ou criação de gado na fazenda, os Terena preparam a terra para plantações. Lindomar aponta que até o momento a dificuldade de alimentos era grande, na medida em que sete mil indígenas vivem em seis mil hectares.  

“Queremos mostrar que o povo indígena está com um pensamento só. Estamos tristes e revoltados com a morte de Oziel. A Justiça passa a ser injustiça, na prática. Os povos indígenas estão sendo massacrados sem que o Estado assuma o compromisso assumido em leis, como a Constituição e a Convenção 169 da OIT”, finaliza.  


quinta-feira, 30 de maio de 2013

Morre índio ferido em confronto com a Polícia, outros três ficaram feridos

Aline dos Santos e Viviane Oliveira, de Sidrolândia


Família na entrada do hospital onde terena morreu na manhã de hoje. (Foto: João Garrigó)

Morreu um dos índios feridos na desocupação da fazenda Buriti, realizada hoje em Sidrolândia pela PF (Polícia Federal) e Cigcoe (Companhia Independente de Gerenciamento de Crises e Operações Especiais). A informação do óbito foi confirmada pelo hospital beneficente Dona Elmira Silvério Barbosa, para onde foram levados 4 terenas.

A vítima é Oziel Gabriel, 35 anos. Ele era da aldeia Córrego de Meio e estava acampado na fazenda desde o dia 15. Segundo amigos, ele era estudante do Ensino Médio e foi até a área para reforçar a luta pela retomada das terras.

A família de Oziel está no hospital, inclusive a mãe, e diz que o índio foi baleado no peito. Quando o corpo foi colocado no carro da funerária, os índios gritaram palavras de ordem, chamando o terena de "guerreiro".

Os terena foram levados ao hospital em carros de terceiro e caminhonete da Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena).

O avicultor Rodrigo Cunico, de 29 anos, passava de carro pela estrada e encontrou os feridos, inclusive Oziel. “Tinha um caído, com ferimento na barriga. Ele estava inconsciente”, relata.

Bastante nervoso, um indígena, que não quis se identificar, relatou que cerca de 50 policiais federais e da Cigcoe chegaram às 6h da manhã. Ele relata que foram pegos de surpresa, pois aguardavam serem intimados da decisão por um oficial de justiça. Os índios resistiram e houve confronto.

A fazenda foi invadida pelos terenas em 15 de maio. No mesmo dia, saiu uma decisão para que os índios deixassem o local. Mas a reintegração não foi cumprida no dia 18 e a decisão acabou suspensa até ontem, quando foi realizada audiência na Justiça Federal. Sem acordo entre as partes, o juiz Ronaldo José da Silva determinou o cumprimento da reintegração de posse.

Os índios reivindicam 17 mil hectares da aldeia Buriti que estão na posse de fazendeiros e que foram identificados em 2011 como terra indígena. A imprensa não teve acesso à fazenda Buriti. Um bloqueio com oito policiais armados impediu a entrada dos jornalistas para acompanhar o despejo dos terenas.

quarta-feira, 29 de maio de 2013

Funai perde a exclusividade na demarcação de terras indígenas

Escrito por  Redação Douranews

Senador Moka intermediou encontro de lideranças do Estado na Casa Civil
Senador Moka intermediou encontro de lideranças do Estado na Casa CivilFoto: Assessoria
A ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, anunciou nesta terça-feira (28) que os processos sobre demarcações de terras indígenas serão feitos de forma compartilhada pela Funai (Fundação Nacional do Índio), Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário) e a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária).
A decisão foi anunciada durante reunião de duas horas, no Palácio do Planalto, com comitiva de parlamentares e representantes dos produtores rurais de Mato Grosso do Sul. Com a decisão, a Funai perde a exclusividade na condução dos estudos sobre demarcações.
Participaram da audiência os senadores Waldemir Moka (PMDB), Delcídio do Amaral (PT) e Ruben Figueiró (PSDB), a vice-governadora Simone Tebet, os oito deputados federais, 18 deputados estaduais, além do presidente da Famasul (Federação de Agricultura do Estado), Eduardo Riedel, e o presidente da Acrisul (Associação de Criadores de MS), Francisco Maia.
Coordenador da bancada federal e autor do pedido de audiência com a ministra Gleisi, Moka afirmou, após o encontro, que a medida torna mais justo o processo de identificação de áreas tidas como indígenas. “Não foi a decisão ideal, mas ao menos teremos uma análise mais próxima da realidade, pois as demarcações envolverão outros órgãos da União”, observa.
Moka lembra que existem 63 propriedades rurais invadidas em Mato Grosso do Sul. “A maioria das áreas invadidas pertence a famílias que estão ali há 40, 50 anos ou mais. Não é justo tirá-las de uma terra que foi passada de uma geração para outra, com título de posse”, argumenta.
O senador diz, no entanto, que o país tem uma dívida a ser paga com os povos indígenas. Mas entende que a conta não deve ser paga apenas por um setor, como o rural. “É uma dívida da sociedade e todos devem pagar”, frisa.
De acordo com Simone Tebet, é fundamental que o governo federal atente para o fato de que a economia do Estado depende dessas áreas em conflito para continuar produzindo e gerando divisas para uma população de mais de 2,5 milhões de habitantes e para o país.

sábado, 25 de maio de 2013

Essa terra tem dono: mineração assim não!



O Conselho Indigenista Missionário, Cimi, vem a público manifestar extrema preocupação e absoluto repúdio frente à proposta de substitutivo ao Projeto de Lei 1610/96, que dispõe sobre a exploração e o aproveitamento de recursos minerais em terras indígenas, disponibilizada pelo deputado federal Édio Lopes (PMDB/RR), relator da Comissão Especial da Câmara que trata do tema.

O Cimi entende que a tramitação açodada da matéria e o teor do substitutivo em questão seguem na mesma esteira de um conjunto de instrumentos legislativos e administrativos que vem sendo intensivamente usados pelos setores anti-indígenas e pelo governo brasileiro para invadir, explorar e mercantilizar as terras indígenas. O intuito é um só: implementar o desenvolvimentismo agro-extratitivista exportador e aprofundar a territorialização e a acumulação do capital.
O Cimi considera o substitutivo apresentado pelo deputado Édio Lopes flagrantemente inconstitucional, um acúmulo de equívocos e arbitrariedades que desconstroem os direitos dos povos e beneficiam exclusivamente as empresas potenciais mineradoras das terras indígenas.
Dentre os inúmeros absurdos do substitutivo, chamamos a atenção para os seguintes aspectos:
1- “Qualquer interessado” poderá requerer ao Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) o direito de minerar qualquer terra indígena no Brasil. Este elemento associado à anulação de todos os direitos minerários em terras indígenas, concedidos antes da promulgação da nova lei, deverá provocar uma verdadeira “corrida” de não-índios às terras indígenas do país.
2- O direito de consulta livre, prévia e informada aos povos indígenas é reduzido a mero ato formal, denominado “consulta pública”. Inclusive às comunidades indígenas presentes na terra pretendida para exploração mineral “poderão participar” da consulta. No entanto, a vontade dos povos não terá qualquer influência sobre a continuidade do processo de exploração mineral na própria terra.
3- Junto com o desrespeito ao direito de Consulta e na contramão dos preceitos Constitucionais, o substitutivo reaviva a figura da tutela sobre os povos indígenas. Caso não haja concordância “das comunidades indígenas” na realização das atividades de exploração mineral nas terras por eles ocupadas, o processo será encaminhado a uma “Comissão Deliberativa”, sem participação indígena, que “decidirá”, dentre as propostas apresentadas, “qual a melhor” para as comunidades indígenas afetadas.
4- A autorização a ser emitida pelo Congresso Nacional para a exploração mineral em terras indígenas constituir-se-á em puro formalismo jurídico-legal. A mesma se dará após já ter sido feita a escolha da “melhor proposta” e respectiva empresa mineradora.
5- A “consulta pública” da qual os indígenas “poderão participar”, a escolha da “melhor proposta”, a autorização do Congresso Nacional e a outorga, pelo DNPM, ao “detentor da proposta vencedora para a exploração de recursos minerais em terras indígenas” serão inócuas, pois se darão “às escuras”, antes de se saber o que realmente irá ser explorado e qual a dimensão da exploração na respectiva terra indígena. Isso porque a “pesquisa de bens minerais” na respectiva área indígena será feita, pelo “outorgado”, que terá até três anos para realizar mesma.
6- Nenhuma salvaguarda constitucional é respeitada pelo substitutivo. A exploração mineral poderá ocorrer em todo e qualquer espaço no interior da terra indígena. Não há qualquer referência explícita, no substitutivo, que proíba a lavra de recursos minerais incidentes sobre monumentos e locais históricos, culturais, religiosos, sagrados, de caça, de coleta, de pesca ou mesmo de moradia dos povos. Isso, como é evidente, oferece risco incalculável à sobrevivência física e cultural dos povos.
7- A mineração poderá ocorrer até mesmo em terras cujos procedimentos administrativos não estiverem conclusos. Para isso, bastará que o governo federal considere que exista na terra algum minério estratégico para a “segurança nacional” do país. Não há, no substitutivo, qualquer definição sobre o que pode ser considerado “mineral estratégico para a segurança nacional”.
8- O “extrativismo mineral ou garimpagem” a ser feito por indígenas organizados em cooperativas se limitará a, no máximo, 100 hectares da respectiva terra. A multa por possíveis irregularidades cometidas pelos indígenas poderá ser de até dois milhões e quinhentos mil reais.
9- O substitutivo incentiva as empresas mineradoras a cometerem todo tipo de irregularidades no procedimento de exploração mineral em terras indígenas. Faz isso ao determinar que a multa por “infrações administrativas”, inclusive no caso de descumprimento, total ou parcial, da obrigação de pagamento aos povos indígenas, não poderá ser superior a 3% do faturamento bruto da empresa mineradora no período em que tenha sido constatada a irregularidade. É notório que poderá ocorrer casos em que uma determinada irregularidade cometida tenha potencial para acarretar aumento superior a 3% no faturamento da empresa. Nesses casos, a empresa lucraria cometendo irregularidades.
O Cimi considera que não existe razão plausível que justifique a pressa incontida em colocar a matéria em discussão e votação na Câmara dos Deputados - programada para depois do 2º turno das eleições municipais. O próprio substitutivo indica que a mineração em terras indígenas será regida, inclusive, pela legislação mineral do país. Ora, é de conhecimento público que o governo brasileiro está prestes a enviar ao Congresso Nacional proposta de um novo “marco regulatório” da mineração no Brasil. Qual o sentido, então, de se discutir e aprovar uma lei que regulamenta a mineração em terras indígenas antes de se discutir e a aprovar a nova legislação mineral do país que afetará, também, a mineração em terras indígenas?
Além disso, os Artigos 176 e 231 da Constituição Federal determinam que a exploração mineral e de riquezas naturais existentes em terras indígenas somente poderá ser feita em caso de “interesse nacional” e “relevante interesse público da União, segundo o que dispuser a lei complementar”. Ocorre que, no Brasil, não existe lei que disponha sobre “relevante interesse público da União”, nem sobre “interesse nacional”. Qual a razão, então, de se aprovar uma lei que regulamenta a exploração mineral em terras indígenas antes de definir em que condições específicas essa exploração é permitida pela Constituição? O único motivo que salta aos nossos olhos é o de se afrontar a Constituição, abrindo a possibilidade de exploração mineral, sem qualquer tipo de limite, em todas as terras indígenas do país.
O Cimi se solidariza com os povos indígenas frente a mais este cruel ataque patrocinado pelos interesses político-econômicos adversos, ao mesmo tempo em que se associa e reforça a reivindicação histórica do movimento indígena no Brasil segundo o qual o Congresso Nacional não deverá legislar, de forma fracionada, sobre temas que lhes dizem respeito.
Por fim, o Cimi se compromete a junto com os povos indígenas fazer uso de todos os meios legítimos para evitar a consumação desta mortífera ferida aos direitos consagrados e ao futuro dos povos indígenas no Brasil.
Conselho Indigenista Missionário – Cimi
Brasília, 10 de outubro de 2012.

“Vocês terão muitas tribulações”-Nota de Solidariedade ao CIMI

“Vocês terão muitas tribulações” (Jo 16,33)
Nota de Solidariedade ao CIMI
A Coordenação Nacional da CPT quer expressar através desta nota sua mais irrestrita solidariedade ao Conselho Indigenista Missionário (CIMI), e a seus agentes pelos constantes ataques e agressões que vêm sofrendo nos últimos dias, em decorrência do apoio à luta dos povos indígenas na busca de seus direitos. Ruy Sposati, jornalista e agente pastoral do CIMI, foi proibido, por ordem judicial, de entrar no canteiro de obras da usina Belo Monte, no Pará, para fazer a cobertura da ocupação organizada pelos indígenas no começo de maio.
No último sábado, 18, o mesmo Ruy, foi impedido de desenvolver sua função, quando acompanhava os índios Terena, atingidos por ordem de reintegração de posse da fazenda Buriti,  no município de Sidrolândia, em Mato Grosso do Sul, que haviam ocupado no dia 15, território já declarado como de ocupação tradicional indígena, em 2010. Ruy teve seus equipamentos confiscados de forma ilegal e arbitrária pelo delegado de Polícia Federal, sob a alegação de não conhecer o CIMI, equipamentos que até a presente data não foram devolvidos. Em abril, outro jornalista e agente pastoral do CIMI, Renato Santana, foi agredido pela polícia legislativa, que o espancou e quebrou seus óculos ao acompanhar a ocupação dos indígenas do plenário da Câmara dos Deputados.
As agressões aos povos indígenas que reivindicam o respeito aos territórios que ocupam, ou a reconquista daqueles dos quais foram espoliados, o direito de serem ouvidos e o respeito às normas constitucionais vigentes e aos tratados internacionais assinados pelo Brasil, se multiplicam e crescem como uma avalanche. Da mesma forma atingem os que os apoiam, de modo particular o CIMI.
Estas agressões partem dos ruralistas, que se intitulam proprietários de imensas áreas, muitas delas sem qualquer respaldo legal, encontram ressonância e amplificação no Congresso Nacional, com sua Frente Parlamentar da Agropecuária, passam pelo Judiciário, ágil erápido na emissão de liminares e sentenças a favor dos autonomeados “proprietários” e chegam ao Executivo que,para impor a ferro e fogo seus projetos minerários, hidrelétricos e outros, convoca as forças de repressão para que nadaimpeça sua execução. 
A coordenação nacional da CPT, ao mesmo tempo que externa sua solidariedade, deseja aos irmãos e irmãs do CIMI que permaneçam atentos, firmes e fiéis, pois“o Senhor é nossa força” (Sl 27,1). Ele nos diz hoje, como disse a seus discípulos. “Vocês terãomuitas tribulações. Mas não tenham medo, eu venci o mundo” (Jo 16,33).
Goiânia, 22 de maio de 2013

Coordenação Nacional da CPT

domingo, 12 de maio de 2013

Líder Guajajara acredita na forca feminina, na educação e no orgulho de ser indígena, como fatores de mudança.


por Cid Furtado Filho

            Filha de um povo guerreiro, o povo GuajajaraTentehar(MA),a pequenina e simpática Sônia BoneGuajajara, 38 anos, tem se destacado como uma importante lideranca do movimento indígena brasileiro. Com perspicácia e uma visão clara e objetiva das questões que afetam os povos indígenas, tem esperança de ver, algum dia, um país mais justo com os habitantes originais do Brasil. A construção desse futuro, acredita, passa por fatores fundamentais, entre eles a educação, respeito aos direitos do cidadão indígena, a preservação das diferentes culturas e modo de vida, a preservação e ampliação do orgulho de sua identidade étnica indígena.
            Casada e mãe de três filhos Sônia Guajajara (nome pelo qual ficou conhecida no movimento indígena), atua no movimento em defesa dos indígenas a23 anos. Além do aprendizado na luta pelos direitos indígenas, é graduada em Letras e Pós graduada em Educação Especial pela Universidade Estadual do Maranhão.
Sua atuação no movimento começou cedo, na adolescência, ainda no ensino médio, discutindo e debatendo com colegas, pais e professores as questões indígenas. Ao voltar para aldeia continuou atuando e estudando. Nas lutas e viagens do movimento sempre ajudou a colocar as reivindicações e posições de seu povo de forma clara para índios e não índios, o que lhe valeu o carinho e respeito da comunidade.  “Para os anciãos, caciques e lideranças me tinham como relatora oficial dos Guajajara: “A grande pequenina”. Era assim que me chamavam”.
Trabalhou em escolas públicas e privadas, na FUNAI, APAE e em diversas outras organizaçõese seu crescimento no movimento foi sendo construído com o passar dos anos, com a participação em dezenas de encontros, reuniões e mobilizações, locais, regionais e nacionais. Foi diretora de uma das entidades mais representativas da luta indígena no Maranhão, a COAPIMA – Coordenação das Organizações e Articulações dos Povos Indígenas do Maranhão por um período de 6 anos correspondente a 2 mandatos, hoje é Vice Coordenadora da COIAB – Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira com sede em Manaus(AM).
Mais recentemente participou do Fórum Permanente da ONU - Organização das Nações Unidas para Questões Indígenas, realizado no ano passado (2011), em Nova Iorque.
            A trajetória de luta dessa líder Guajajara é exemplo para líderes, sejam eles índios ou não índios. Uma oportunidade única para nós de Brasileiros de Raiz, homenagearmos a forca da mulher indígena, celebrando o dia 5 de setembro, Dia Internacional da Mulher indígena e oferecendo a elas o espaço para que defendam suas idéias e possam continuar contribuindo com o movimento indígena como já o fazem em outros canais de comunicação.  
            “Plantamos vida, não alimentamos a morte. Eis o que aprendemos e o que queremos ensinar”, destaca a Sônia, que você vai conhecer melhor a parti de agora.
           
BDR -Qual o papel da mulher indígena dentro e fora da aldeia?
Sônia Guajajara- Embora cada povo indígena tenha a sua organização política própria e divisão de papéis entre homens e mulheres, em geral a participação das mulheres é mais discreta ou menos evidente. Porém, mesmo assim dentro das tradições indígenas sempre encontram formas de influenciar nas decisões da comunidade. As mulheres não vão para as reuniões na casa do guerreiro ou no pátio, mas exercem uma enorme pressão sobre seus maridos e influenciam significativamente sobre o que estes vão dizer nas reuniões. Fora da comunidade essa participação se da quando ela já adquire a confiança e passa a assumir o papel de liderança, neste patamar, geralmente expressauma voz altiva e respeitada pelos seus povos e organizações.
BDR -A liderança da mulher indígena sempre existiu ou surgiu de alguns anos pra cá?
Sônia Guajajara- A mulher sempre teve um papel importante na condução das boas práticas e esse espírito de líder é muito presente, pois sempre assumimos as tarefas mais difíceis e de maior responsabilidade. Como em muitos povos a mulher tem pouca visibilidade e não participa das discussões mais públicas e coletivas quando uma liderança mulher desponta, sempre há resistências. Porém, sua força e determinaçãoacabam sendo reconhecidas, pois muitas vezes ajuda seu povo ou comunidade a ter conquistas que os homens sozinhos não conseguem. O reconhecimento e aceitação da liderança damulher varia  muito conforme os costumes tradicionais de cada povo.
BDR -Como as lideres mulheres tem trabalhado dentro do movimento indígena?
Sônia Guajajara- Como viemos de uma cultura onde predomina a voz masculina, ainda hoje há muita resistência em ceder espaços baseados na espontaneidade do homem, muito se tem que lutar para ocupar e desempenhar o papel de liderança, mas há de se reconhecer que todas as mulheres atuantes no movimento indígena desempenham uma postura firme, decisiva e comprometida com os objetivos da luta.Cito por exemplo o reconhecido caso da Tuíra Kayapó que em 2009 passou seu terçado na cara do representante da Eletronorte em protesto contra a já polêmica Usina Hidrelétrica de Belo Monte, uma imagem que valeu por milhares de palavras de 500 homens presentes, naquele momento.
BDR -O papel delas evoluiu também ou o papel ainda é de criar os filhos transmitir os ensinamentos a língua e etc?           
Sônia Guajajara- Essas funções são desempenhadas naturalmente pela figura da mãe, mulher, esposa, filha, sempre assumimos diversos papéis e isso é o que mantém os laços e nossa cultura viva. Ao lado do papel fundamental de mãe as mulheres assumem mais uma tarefa, um desafio, muitas das vezes, um sacrifício, na representação política. Não necessariamente temos que deixar de fazer determinadas obrigações para assumir outras. Cito aqui o meu caso pessoal, mesmo ausente em determinados momentos(que são muitos), assumo a função de mãe de meus 3 filhos e ainda de filha cuidando e orientando meus pais. A propósito, quantas vezes já se viu um homem levando seus filhos a uma reunião?? As mulheres sempre levam.
BDR -É possível conciliar o trabalho tradicional com a participação nas lutas e no movimento indígena?
Sônia Guajajara- Isso me faz lembrar muito um líder indígena Carajá que dizia: “Eu posso ser quem você é, sem deixar de ser quem sou”, então se eu posso ser qualquer profissional, qualquer especialista sem deixar de ser indígena, pra luta é ainda muito mais tranquilo, conciliar a luta do movimento com as raízes, pois uma coisa não está desconectada da outra, a luta só faz sentido se tiver esse viés de manter as tradições, e o direito a diferença, afinal a nossa luta do dia a dia é pela defesa dos direitos de continuar sendo indígena e ser reconhecido como tal. Garanto que a luta não é fácil, nem para os homens nem para as mulheres, as lideranças como um todo, mas todo esforço ou sacrifício vale a pena.Nosso povo está sempre preparado, estando na aldeia ou na cidade o sangue indígena prevalece.
BDR -Como você acredita que está a preservação da cultura indígena de uma forma geral no Brasil?
Sônia Guajajara- Aos 512 anos de massacre, violência, tentativas de extermínio, podemos somar também muita luta, força e resistência de nossos povos. Já tentaram nos integrar à sociedade envolvente como previa Darci Ribeiro, mas estamos aqui, cada povo com a sua cultura, sua tradição, seu modo de vida; muitos não falam mais a sua língua materna, devido ao doloroso processo de colonização, outros, se autoafirmam como indígenas, se identificam enquanto povos, mas lhe foi negado, pelo sistema, o seu nome, a sua origem. Mas uma vez indígena, sempre responderemos em nome dos nossos antepassados. Os povoamentos aproximaram-se de nossas terras e nos foram apresentadas outras culturas, outro jeito de ser, e foram nos envolvendo. Certamente que houve uma modificação em alguns rituais, que também pode ser visto como um enriquecimento,desde que seja baseado no orgulho de ser indígena.
BDR -É possível manter a cultura e o modo de vida tradicional vivos e conciliar isso com as vantagens e confortos da vida moderna, da cidade e do branco?
Sônia Guajajara - Posso assegurar que o nos dias de hoje o que nos mantém aqui na cidade dos brancos, é essa necessidade de fazer a luta, de estar sempre perto, vigilantes para não nos enfiarem goela abaixo as imposições de um desejo desenfreado por acúmulo de bens. Precisamos estar constantemente cuidando de uma tarefa que teoricamente seria dos representantes do povo, os políticos, que são eleitos para cuidar dos interesses populares e que, no entanto, cuidam apenas de si mesmos. Por isso nós precisamos estar aqui 24h para defender os interesses de nossos povos. Como se não bastasse apenas violar os direitos já adquiridos, querem acabar com os que temos. Numa situação como estas como é que podemos ficar apenas nas aldeias? Precisamos estar nas cidades acompanhando e participando dos debates. Felizmente temos pra onde voltar e voltando temos lá a nossa casa, nossos parentes,nossas festas tradicionais, para nos confortar. Mas é naturalmente possível manter a cultura e usufruir dos bens e confortos da vida moderna, afinal somos seres humanos e cidadãos de um mesmo Brasil.
BDR -Você acha que por querer ter os confortos e vantagens da vida moderna, da cidade, o índio quer deixar de ser índio?
Sônia Guajajara - Esta pergunta é sempre feita e, na verdade, demonstra um preconceito contra os indígenas. Por várias razões: não é só na “vida moderna” que existe conforto e vantagens. Na vida das aldeias, temos muito conforto e vantagens também: qualidade de vida, qualidade ambiental, relações de confiança (não temos roubos, nem desigualdade nas aldeias); nas cidades não existem apenas vantagens e conforto. Para a maior parte da população, existe sim a pobreza, precariedade de moradia etc.
Além disso, acho importante ressaltar que o contato é uma questão de troca. Assim como os indígenas querem aproveitar e assimilar o que tem de bom em outras sociedades, o pessoal da cidade também quer se aproveitar dos benefícios das aldeias: a base alimentar do Brasil tem muitos itens indígenas (farinha etc), a medicina “ocidental” se aproveitou do conhecimento tradicional milenar indígena para produzir seus remédios, a relação dos índios com a natureza ajuda na preservação ambiental do planeta e assim por diante. Então é uma TROCA, de duas vias.
É claro que não se deixa de ser índio por usar um celular, um notebook, um tablet, ipad, esses meios tecnológicos são instrumentos que utilizamos para fortalecer as nossas relações com outros povos, afinal somos 305 povos diferentes, com modos de vida e culturas diferentes, 185 línguas faladas. É uma diversidade muito rica, precisamos dessas ferramentas para nos conectar com o mundo aqui fora e assim nos preparar melhor para enfrentarmos as lutas no mesmo nível. Por acaso um brasileiro não indígena que usa produtos japonês ou norte americanos(como é comum no mundo burgûes)... ele deixa de ser brasileiro?
BDR -O índio quer abandonar sua identidade, quer nega-la?
Sônia Guajajara- O índio verdadeiro jamais nega a sua identidade para assumir outra, ele pode ir para outro planeta, ele sempre terá orgulho de pertencer a um povo, porém durante um certo tempo, a opressão colonial fez com que muitos indígenas escondessem sua identidade. Mas esconderam não por opção, por coerção. Isso é o etnocídio.
Hoje um exemplo concreto é o resultado do último censo do IBGE onde houve um aumento considerável da população indígena, pois houve uma adequação ao formulário que possibilitou as pessoas a terem a opção de se identificarem como indígena e a autoafirmação aconteceu, isso mostra que cada vez mais o povo brasileiro está reconhecendo a sua origem.
BDR -O preconceito da sociedade contra os indígenas brasileiros é grande em muitos lugares do País. Qual o caminho para superar o preconceito?
Sônia Guajajara - Posso dizer que quanto mais próximas as cidades ou povoados das comunidades indígenas, maior é o preconceito dessa população, e em muitos lugares ainda se usa o termo “civilizado”, para diferenciar indígenas de não indígenas. É muito comum as pessoas chegarem pra mim e perguntar você é índia ou civilizada? Eu respondo, sou índia civilizada. Há quem pergunte ainda, você é índia de verdade? Sou sim, porquê? Ah, você nem parece, tá toda limpinha, arrumadinha e por aí vai! Acho que o preconceito existe por pura falta de conhecimento, melhor dizendo, ignorância mesmo das pessoas sobre a diversidade étnica e cultural. Precisam saber simplesmente que não somos Ets, apenas somos pertencente a um povo que originou o Brasil e que optamos por fazer a resistência pra nos manter, enquanto povos, diferentes. Isso tem que ser trabalhado nas escolas desde o ensino básico até a faculdade.
BDR -Você acredita que os povos indígenas que foram contatados mais recentemente são mais índios que os índios que foram contatados desde o descobrimento?
Sônia Guajajara- No meu entendimento não há mais índios ou menos índios.Há indígenas com culturas e modos de vida diferentes. O que diferencia é que os contatados mais recentes felizmente ainda não conheceram tudo que o mundo globalizado oferece, então possuem menos conhecimentos sobre essa sociedade e vivem mais conforme asua cultura, ao passo que os contatados há 300 anos ou mais, já conhecem, mesmoque tenha sido na base de muita porrada, opressão, violência, com  territórios usurpados, foram forçados a assimilar novas formas de vida, etc., conhecendo assim os dois mundos. É como uma criança que vai descobrindo aos poucos.
BDR -Muitos indígenas têm preconceito com índios do sul ou do nordeste, porque eles perderam quase toda sua cultura, com o passar dos anos e com a pressão constante para que eles se integrassem à sociedade. Como vencer esse preconceito entre os próprios índios?
Sônia Guajajara- Em primeiro lugar, este preconceito é dos não indígenas!!!! Com índio sempre tem preconceito. Se está na aldeia, no seu modo de vida tradicional, é primitivo, atrasado etc. Se está mais integrado aos costumes urbanos, não é mais índio... Então alguns povos acabam assimilando este preconceito que é dos não indígenas.
Ao longo desses anos foi se perpetuando a ideia de que índio tinha que ter olhos puxados , cabelos pretos e lisos, aquele que não tivesse essas características não era considerado indígena, e claro que esse conceito ganhou o mundo. As mulheres indígenas foram abusadas e violentadas monstruosamente, nascendo assim os mais variados biótipos indígenas, porém com o conceito já formado é preciso lutar pra vencer este pré-conceito.
BDR -Uma das grandes preocupações hoje é com o desrespeito aos direitos indígenas. Não a um ou outro mais a quase todos. Quais os caminhos que as mulheres indígenas vêm para garantir os direitos de seus povos?
Sônia Guajajara- Estamos numa fase difícil de retrocesso de direitos conquistados, de ameaças, de criminalização de lideranças indígenas, ou seja de vítimas passam a ser réus como é o caso dos Xucurus em Pernambuco. É como se estivéssemos vivendo o período da colonização, onde se conquistava um dia após o outro, todos eram vítimas do processo, hoje somos vitimas do sistema governamental, do capitalismo, do progresso.Tudo legalizado para acabar com nossos direitos. Estamos no meio de um fogo cruzado, de um lado um sistema, de outro os donos do capital que comandam seus pistoleiros como é o caso emblemático de MS e Nordeste Brasileiro. A garantia de direitos se faz ao caminhar numa luta conjunta de todos os povos, fazendo fileiras pela vida e pela dignidade.
BDR -Acredita que algum dia a sociedade brasileira vai mudar a imagem que tem dos índios e irá respeitar seus direitos e cultura?
Sônia Guajajara- Temos que acreditar numa sociedade mais justa e igualitária.Lutamos pra isso!
BDR -Oque fazer para que essa realidade mude e indígenas e não indígenas convivam com respeito e harmonia?
Sônia Guajajara- Acho que essa transformação é possível por meio da educação, é preciso uma motivação maior para esse despertar. Acredito que a juventude de hoje já está começando a entender a existência dessa diversidade étnica e cultural, basta que haja maior investimentos nas redes de ensino que promovam intercâmbios culturais, inserção do tema nas grades curriculares. Não sobre o índio que existia, mas sobre o índio que existe e resiste .Só conhecendo  a realidade é que se alcança o respeito.
BDR -Além da questão dos direitos quais são os outros problemas dos índios brasileiros na atualidade em sua opinião?
Sônia Guajajara- A bandeira de luta principal do movimento indígena sempre foi  pelos Territórios, e mesmo assim, com muita gente falando que “é muita Terra para pouco índio”, ainda temos muitos indígenas sem terra, que vivem debaixo de lonas no MS, que vivem em acampamentos no Sul( são 60 acampamentos hoje), que lutam por retomadas na Bahia e Pernambuco e não podemos esquecer dos grandes empreendimentos de infraestrutura do governo federal, que consideram apenas o crescimento econômico sem considerar as questões socioambientais; a criminalização de lideranças indígenas no Nordeste e a falta de políticas públicas adequadas e condizentes com as realidades indígenas.
BDR -Qual é o futuro que você vê para os Povos Indígenas brasileiros?
Sônia Guajajara- Bom eu penso em um, embora a realidade brasileira aponte outro. O futuro ideal seria todos os povos vivendo com seus territórios demarcados, protegidos e livres de ameaças.Para isso não podemos cochilar, é preciso que nos ponhamos de pé sempre prontos para o embate e com a mente direcionada.  ”Se não nos permitem sonhar então não os deixaremos dormir” e seguimos defendendo um Brasil plural, que seja dos brasileiros, incluindo os indígenas e respeitando e valorizando seu papel no país.
BDR -Qual recado gostaria de mandar para outras mulheres indígenas que atuam no movimento como você?
Sônia Guajajara- Que o nosso espírito de guerreiras jamais esmoreça. A luta para as futuras gerações já começou!
BDR -Que mensagem gostaria de deixar para índios e não índios?
Sônia Guajajara- Que o mundo é redondo e tudo que suceder à Terra, sucederá também aos filhos da Terra e principalmente para aqueles que não respeitam a terra. A Terra é nossa mãe, não pode vender a nossa mãe.
BDR -Você é a primeira líder indígena a falar a Brasileiros de Raiz. O que gostaria de dizer aos leitores?
Sônia Guajajara- A causa indígena é de todos nós. Apóie você também esta causa!


Fonte: Revista Brasileiros de Raíz, Ano II, nº 09, Agosto/Setembro de 2012.

quinta-feira, 9 de maio de 2013

“Como entramos de maneira pacífica, decidimos sair de maneira pacífica”, disse grupo de indígenas ao desocupar canteiro


De Vitória do Xingu (PA)

Com um prazo de 24 horas dado pela desembargadora Selene de Almeida, do TRF-1, Brasília (DF), os cerca de 180 indígenas de nove povos dos rios Teles Pires, Tapajós e Xingu, afetados por projetos hidrelétricos, decidiram se retirar do principal canteiro de obras da UHE Belo Monte, às margens da Transamazônica, no Pará, no início da noite desta quinta-feira, 9.

“Como entramos de maneira pacífica, decidimos sair de maneira pacífica. Mostramos que não somos bandidos e respeitamos a decisão da Justiça. Esperamos que a nossa atitude mostre que isso é estar aberto ao diálogo”, explicou Valdenir Munduruku em entrevista coletiva aos jornalistas às portas do canteiro.

Ao redor da liderança indígena, a mais de uma centena de indígenas, que durante uma semana ocuparam o canteiro, num dos mais contundentes protestos contra a usina, pediam pela consulta às comunidades afetadas pelas usinas hidrelétricas que o governo federal pretende construir na Amazônia – parte da pauta que motivou a ocupação. Contrariando a Convenção 169 da OIT e a Constituição Federal, o governo Lula e Dilma passaram a executar grandes obras sem consultar as comunidades afetadas.  

“Não estamos saindo por conta de nenhum acordo. Nós vamos sair daqui porque desde quando chegamos o ministro não veio conversar conosco. (Ao contrário) Escreveu muita mentira na internet sobre a gente”, afirmou Cândido Munduruku, presidente da Associação Pusuru. Os indígenas deixaram claro que não vão abandonar a agenda de luta contra as hidrelétricas na Amazônia e pela consulta prévia.

Valdenir e Cândido ressaltaram que o grupo sai “revoltado com o governo federal”, que ao invés de enviar o ministro Gilberto Carvalho para dialogar mandou a Força Nacional e a Polícia Federal. Os indígenas foram cerceados e impedidos de fazer contato com seus advogados, com a imprensa; agentes da Força Nacional chegaram a impedir a entrada de comida.

No final da noite de ontem, quarta, 8, a desembargadora Selene deferiu pedido de reintegração de posse feito por dez advogados da Norte Energia S A. Hoje, o Ministério Público Federal (MPF) do Pará pediu a suspensão da reintegração. Selene manteve a reintegração, mas reconheceu o movimento como pacífico e despachou um prazo de 24 horas para os indígenas abandonarem a ocupação.   

Militarização e relações perigosas

Entre 80 e 100 policias da Força Nacional estiveram presentes no canteiro ocupado pelos indígenas. No final da tarde desta quinta, a procuradora Federal Thais Santi chegou ao canteiro e constatou que só ocorreria violência no local caso a reintegração ocorresse.

De acordo com relatório feito pela chefe da Polícia Federal em Altamira (PA), os indígenas estariam ameaçando cerca de 3 mil trabalhadores, o que justificaria a reintegração. Porém, em contradição, a imprensa noticiou atos de solidariedade dos funcionários da usina com o movimento dos indígenas.

Em nota, o MPF/PA mostrou preocupação com a condução da operação de reintegração de posse, “já que a chefe da PF em Altamira, responsável pelo relatório feito à Justiça, é casada com o advogado da Norte Energia S.A Felipe Callegaro Pereira Fortes, autor do pedido de reintegração de posse. No agravo feito ao TRF1, o advogado chega a citar o relatório da PF, assinado pela sua esposa”, diz a nota. 


NOTA DE REPÚDIO AO NOVO PL 2177/2011


CONTRA O NOVO PL 2177/2011 que institui o Código Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação

O novo Projeto de Lei 2177/2011 que institui o novo Código Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação é um projeto que escancara as portas das Instituições Federais ainda mais ao investimento privado, através de "parcerias" entre a administração central das instituições federais com o setor privado. Desta forma, mercantiliza-se ainda mais o ensino, favorecendo a produção de novas tecnologias pautadas exclusivamente pela lei de mercado, tendência esta que, além de calcada no neoliberalismo, visa o encastelamento da universidade pública em prol de favorecer o desenvolvimento moderno da tecnologia e ”mentes de obra” para as classes dominantes.  O Projeto de Lei, se aprovado, afastará a busca de uma Universidade que sirva à população, indo na contramão de torná-la livre e antiparadigmática.
Porém, como é de conhecimento de todos, o setor privado a muito não contribui para o desenvolvimento de tecnologias que favoreçam o verdadeiro desenvolvimento social no sentido amplo da palavra, que contemple uma vida digna a toda a população. Tanto as fundações, que hoje cumprem um papel de captação e gestão dos recursos de pesquisa/ensino/extensão universitária, quanto as empresas inseridas nas universidades, que promovem o desenvolvimento de suas tecnologias excludentes no sentido de acesso pela população em geral, são movidas pela lógica capitalista de redução dos custos de produção, priorizando o lucro em detrimento do desenvolvimento social.             Ao  visar o lucro a qualquer custo, acaba por andar  na contramão de um modelo de produção focada nas demandas da sociedade, muitas vezes sendo propagado um discurso de desenvolvimento embasado apenas no crescimento econômico.
Um laboratório tendo seus recursos financiados por tais empresas será obrigado a se enquadrar nos moldes do interesse privado, deixando de lado as pesquisas com caráter social transformador e emancipatório, eliminando desta forma, o objetivo de uma Universidade, que visa desenvolver socialmente as condições de vida nas regiões que a cercam e difundir o saber.
Esta precarização da educação, fruto deste novo projeto de lei, pode ser evidenciada claramente na transformação do corpo docente, para um patamar de professores-empreendedores. Exemplificando, o novo PL 2177 torna os professores ainda mais submissos aos editais de pesquisa e extensão que estarão sujeitos aos interesses destas empresas, não sendo possível obter recursos se não por meio do interesse privado, inviabilizando qualquer autonomia de, por exemplo, laboratórios, obterem financiamentos para pesquisas de interesse da sociedade, massificando assim, a desigualdade social e a exclusão tecnológica as camadas populares mais desfavorecidas. Esta medida encontra o argumento neoliberal de que se possa injetar investimentos no setor público através do setor privado, através da suposta neutralidade da ciência.

"Art. 8 - § 2o O servidor, o militar ou o empregado público envolvido na prestação de serviço prevista no caput deste artigo poderá receber retribuição pecuniária, diretamente da ECTI pública ou de fundação de apoio com que esta tenha firmado acordo, sempre sob a forma de adicional variável e desde que custeado exclusivamente com recursos arrecadados no âmbito da atividade contratada."

"Art. 14. É assegurada ao criador participação mínima de 5% (cinco por cento) e máxima de 1/3 (um terço) nos ganhos econômicos, auferidos pela ECTI pública, resultantes de contratos de transferência de tecnologia e de licenciamento para outorga de direito de uso ou de exploração de criação protegida da qual tenha sido o inventor, obtentor ou autor, aplicando-se, no que couber, o disposto no parágrafo único do art. 93 da Lei Federal n. 9.279, de 14 de maio de 1996.
§ 1o A participação de que trata o caput deste artigo poderá ser partilhada pela ECTI pública entre os membros da equipe de pesquisa e desenvolvimento tecnológico que tenham contribuído para a criação.
§ 2o Entende-se por ganhos econômicos toda forma de royalties, remuneração ou quaisquer benefícios financeiros resultantes da exploração direta ou por terceiros, deduzidas as despesas, encargos e obrigações legais decorrentes da proteção da propriedade intelectual."

Neste trecho, evidencia-se mais um exemplo da intencionalidade de direcionar os professores a se interessarem por pesquisas privadas, através da viabilização de rendimentos econômicos de acordo com a produção de conhecimento. Neste projeto de lei, ainda podemos aferir que o Governo Federal passará a não priorizar os investimentos pra educação pública justamente porque o setor privado estará garantindo esta função. Com isso não apenas a tecnologia fica a mercê do interesse privado, mas a própria educação e formação profissional que fica prejudicada.
Áreas como as ciências humanas e biológicas também serão deixadas de lado, sendo favorecido preferencialmente as áreas de engenharias devido as potencialidades de "criar mais em menos tempo" seja lá o que for. Por fim, de todo o pouquíssimo dinheiro que investimos na educação do Brasil, apenas uma pequena fração vai para as Universidades Federais. Desta quantia, pouquíssimo dinheiro é direcionado aos laboratórios de pesquisa que, com este novo PL, será usufruído pelas empresas com fins lucrativos, utilizando-se do espaço público para obter, da infra estrutura de laboratórios, dos equipamentos e da própria mão de obra de professores e estudantes, o enriquecimento de suas empresas, nada compromissadas com a redução da pobreza ou melhoria de vida da população explorada.
Vale ressaltar outro grande problema que é a sobrecarga do corpo docente, requisitado nestas pesquisas, se ausentar da função de professor para garantir dedicação exclusiva em determinada produção com garantia de participação nos lucros, deixando os professores, explorados com um salário inferior ao seu "nível de produção", a mercê da escolha entre melhorar a educação de seu país ou melhorar as condições de vida de sua família.

ESTE É O BRASIL QUE QUEREMOS?

Esperamos que, diferente da aprovação do complexo Belo Monte, da liberação transgênica no Brasil, do consumo desenfreado de agrotóxicos, da criminalização do aborto, da não caracterização da homofobia como um crime punível, da não realização da reforma agrária, dedicação exclusiva aos mega eventos, expulsão de comunidades afetadas pelos mesmos ... diferente dos massacres ocorridos com representantes indígenas e dos movimentos sociais ... diferente da continuidade no pagamento da dívida externa ... esperamos que desta vez a presidenta Dilma use seu poder de VETO para barrar este projeto de sucateamento da educação brasileira!
Continuaremos em luta e ALERTA!

VETA DILMA

CONTRA O PL 2177/2011

FEDERAÇÃO DOS ESTUDANTES DE AGRONOMIA DO BRASIL - FEAB

domingo, 5 de maio de 2013

Trabalhadores de Belo Monte apoiam indígenas que ocupam canteiro de obras



Pela manhã do dia 3, cerca de 2 mil trabalhadores aplaudiram de pé um grupo de indígenas que foi aos alojamentos dialogar com os operários

04/05/2013

Ruy Sposati
de Altamira (PA)

Cerca de 100 homens da Força Nacional, tropa de choque da Polícia Militar e Polícia Civil chegaram ao principal canteiro de obras da Usina Hidrelétrica Belo Monte, no Pará, no último dia 3 para cumprir mandado judicial. A Justiça Estadual deferiu pedido de reintegração de posse contra "brancos" que estavam presentes na ocupação, iniciada no dia 2. Dois jornalistas que cobriam a ação e um pesquisador foram levados do local pela Polícia Civil. Os indígenas, por sua vez, lançaram nova carta reafirmando a pauta reivindicatória – leia abaixo na íntegra.
Pela manhã do dia 3 cerca de 2 mil trabalhadores aplaudiram de pé um grupo de indígenas que foi aos alojamentos dialogar com os operários. "Os trabalhadores que vivem nos alojamentos nos apóiam", afirma nova carta dos indígenas.
"[Os operários] deram dezenas de depoimentos sobre problemas que vivem aqui. São solidários a nossa causa. Eles nos entendem. Tanto eles quanto nós estamos em paz. Tanto eles quanto nós queremos que os trabalhadores sejam levados para a cidade. O Consórcio Construtor Belo Monte precisa viabilizar a retirada dos trabalhadores a curto prazo e garantir abrigo para eles na cidade", afirma o documento.
Mais tarde, policiais acompanharam o assessor da Secretaria de Articulação Social da Secretaria Geral da Presidência da República, Avelino Ganzer, até o canteiro ocupado. Ganzer apresentou aos indígenas a proposta de que uma comissão definida por eles se reunisse em Altamira (PA), na próxima segunda-feira, 6, com um grupo interministerial. Os indígenas recusaram e exigiram a presença do grupo no canteiro de obras ocupado, de modo que todos possam participar da conversa.
“Se querem conversar, terão de vir até aqui. Não iremos para Altamira. Já fomos muito atrás do governo e agora queremos que eles venham até nós”, declarou Valdenir Munduruku. Nesse contexto, os indígenas lançaram uma nova carta exigindo, entre outros pontos, que a empresa retire os trabalhadores dos alojamentos – no canteiro, 5 mil trabalhadores dormem no próprio sítio de obras da usina.

Carta
"Nós estamos aqui para dialogar com o governo. Não temos uma lista de pedidos ou reivindicações específicas para vocês", afirma a nova carta, referindo-se ao Consórcio Construtor Belo Monte (CCBM) e Norte Energia, concessionária da obra.
No documento, os indígenas reafirmaram que estão ocupando o canteiro de obras exigindo a consulta prévia, com base da Convenção 169 da OIT, a suspensão das obras e licenciamentos em curso e o fim de operações policiais em terras indígenas.

Leia o documento dos indígenas na íntegra:
Carta da ocupação nº 2: Sobre a pauta da nossa ocupação de Belo Monte
Não estamos aqui para negociar com o Consórcio Construtor Belo Monte. Não estamos aqui para negociar com a empresa concessionária Norte Energia. Não temos uma lista de pedidos ou reivindicações específicas para vocês.
Nós estamos aqui para dialogar com o governo. Para protestar contra a construção de grandes projetos que impactam definitivamente nossas vidas. Para exigir que seja regulamentada a lei que vai garantir e realizar a consulta prévia - ou seja, antes de estudos e construções! Por fim, e mais importante, ocupamos o canteiro para exigir que seja realizada a consulta prévia sobre a construção de empreendimentos em nossas terras, rios e florestas.
E para isso o governo precisa parar tudo o que está fazendo. Precisa suspender as obras e estudos das barragens. Precisa tirar as tropas e cancelar as operações policiais em nossas terras.
O canteiro de obras Belo Monte está ocupado e paralisado. Os trabalhadores que vivem nos alojamentos nos apóiam e deram dezenas de depoimentos sobre problemas que vivem aqui. São solidários a nossa causa. Eles nos entendem. Tanto eles quanto nós estamos em paz. Tanto eles quanto nós queremos que os trabalhadores sejam levados para a cidade. O Consórcio Construtor Belo Monte precisa viabilizar a retirada dos trabalhadores a curto prazo e garantir abrigo para eles na cidade.
Nós não sairemos enquanto o governo não atender nossa reivindicação.

Canteiro Belo Monte, Vitória do Xingu, 3 de maio de 2013
Assinam os indígenas caciques e lideranças, ribeirinhos e pescadores da ocupação pela consulta