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domingo, 30 de junho de 2013

Manifesto Pelo Chão Indígena – “Flor da terra”

Manifesto Pelo Chão Indígena – “Flor da terra”

Terena que lutaram na Guerra do Paraguai, enquanto suas terras eram roubadas. Acervo Comissão Rondon s/d.
Terena que lutaram na Guerra do Paraguai, enquanto suas terras eram roubadas. Acervo Comissão Rondon s/d.
Um posicionamento não somente pelas redes sociais, mas, sobretudo, um posicionamento cotidiano. No fazer-se.
Manifesto Pelo Chão Indígena – “Flor da terra”*
Para além da Universidade, o fazer-se enquanto pesquisador está em suas ações cotidianas como sujeito histórico e político. Neste sentido, este manifesto, ainda que singelo, representa o apoio, o respeito e toda solidariedade dos participantes do XXI Encontro Sul-Matogrossense de Geógrafos / V Encontro Regional de Geografia, e alunos de pós-graduação em Antropologia, História e Geografia (UFGD) aos povos originários – “Flor da Terra”.
Repudiamos a maneira com que os proprietários de terra conservadores e os representantes do Estado Brasileiro (Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, em todas as suas esferas federativas – União, estados e municípios) têm se posicionado sobre a questão indígena em nosso país. É inadmissível ver a situação precária e olhar centenas de vidas, de homens, mulheres, crianças e de idosos indígenas sendo desrespeitadas covardemente. Talvez seja esta a questão: o olhar, ou melhor, o não olhar…
O não olhar aos direitos dos povos originários, reconhecidos pela constituição de 1988, como em seu artigo 67 que afirma: “A União concluirá a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir da promulgação da Constituição”. Direitos que de maneira alguma foram “recebidos” ou “ganhados”, mas conquistados por meio de lutas e muita resistência e que, efetivamente, não estão sendo cumpridos.
Reiteramos, ainda, o nosso apoio a cada família Terena – de feridos e enlutados – da Terra Indígena Buriti, no município de Sidrolândia, já reconhecida como Terra Indígena através de laudo antropológico desde 2001, e ainda não homologada, da Aldeia Esperança de Aquidauana, e de tantas outras aldeias, que muitas vezes são silenciados à força, sofrendo diversas atrocidades, historicamente tecidas de forma ilegal e truculenta ao lutar pelo o que é seu por direito – a retomada da terra.
A terra, para os Povos Indígenas, está para além do seu sentido material. É o Tekoha, é a Terra Sem Males. Terra é vida, fonte de alimentos, descanso espiritual… O território que constitui e entrelaça o âmbito do vivido.
Nesse sentido, é preciso, é urgente, fazer florescer a terra das experiências Sem Males, temporal e espacialmente ainda fecundas em cada semente de chão indígena. Porque, afinal, o chão foi, é e sempre será um grande ensino!
Pelo direito de quem é de direito!
Pelo direito à luta!
Pelo direito à terra tekoha!
Uni-vos, toda comunidade Guarani-Kaiowá, Terena, Ofaié, Kadiwéu, Guató, Guaná, Payaguá…
Registramos o nosso apoio:
Participantes do XXI ENSUL / V EREGEO;
Alunos da Pós-Graduação em Antropologia;
Alunos da Pós-Graduação em Geografia;
Alunos da Pós-Graduação em História.
Casa de Reza Guarani-Kaiowá (rezador Jorge, rezadora Floriza)
Reserva Indígena de Dourados, 28 de Junho de 2013.
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*O Manifesto Pelo Chão Indígena – “Flor da terra” foi lido no XXI Encontro Sul-Matogrossense de Geógrafos e V Encontro Regional de Geografia – 2013. Compartilhado por Marciana Santiago.

domingo, 9 de junho de 2013

OS BANDEIRANTES ESTÃO VOLTANDO

José Ribamar Bessa Freire
09/06/2013 - Diário do Amazonas


Borboleta amarela / no céu azul / infinita beleza.
Não fazer mal / a ninguém / infinita beleza.
(Poesia Guarani)
O Brasil assiste, de cócoras, a volta dos bandeirantes, que estão atacando pra valer, com metodologia igualmente truculenta, mas mais sofisticada. No período colonial, quando os índios eram maioria, eles organizavam asbandeiras, expedições armadas que invadiam aldeias e queimavam malocas para aprisionar os seus ocupantes e vendê-los como escravos. Agora, em pleno séc. XXI, quando os índios são minoria, os agrobandeirantes lançam ofensiva muito bem organizada com o objetivo de varrer definitivamente os índios do mapa do Brasil para se apropriarem de suas terras. Para isso, contam com a cumplicidade da grande mídia.
O último exemplo dessa violência foi a morte do terena Oziel Gabriel, em Sidrolândia (MS) na semana passada. Nos últimos quarenta anos - segundo Tonico Benites, índio guarani Kaiowá que é mestre em antropologia pelo Museu Nacional - no Mato Grosso do Sul, mais de 200 líderes indígenas "foram torturados e assassinados de modo cruel pelos pistoleiros contratados pelos donos das fazendas". Só na última década, no Brasil, durante os oito anos do Governo Lula e os dois do Governo Dilma, foram assassinados 564 índios, conforme levantamento realizado pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI).
"Vai morrer mais gente" - ameaçou em entrevista à Folha de São Paulo (6/6/2013) o presidente da Associação dos Criadores de Mato Grosso do Sul (Acrisul) e da Frente Nacional da Pecuária (Fenapec), Francisco Maia, uma espécie de Borba Gato dos tempos modernos. Ele informa que os agrobandeirantes estão armados:
"Vai ter mais sangue. Isso que aconteceu, de morrer um índio, pode ser pouco diante do que se anuncia. Estamos falando de um massacre iminente. Temos produtores que se recusam a sair de suas propriedades e estão armados".
A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), em nota oficial, reforçou a ameaça, avisando que "caso a situação não seja revertida, poderão ocorrer novos e dramáticos confrontos de consequências imprevisíveis".
Para que isso não ocorra, a CNA, através de discurso da senadora Katia Abreu, exige a elaboração de uma nova política indigenista, a suspensão imediata dos processos de demarcação de terras indígenas - o que contraria a Constituição em vigor no Brasil - a transferência para o Congresso Nacional da competência de dizer o que é e o que não é terra indígena e a revalidação da portaria da AGU que restringe os direitos constitucionais dos índios.
AGROBANDEIRANTE
A prática adotada por essa nova leva de agrobandeirantes é similar a que foi testemunhada no período colonial por Jerônimo Rodrigues, que presenciou o assassinato de índios velhos, enfermos e crianças e chamou os bandeirantes de bandidos:
- “Nenhuma pessoa, que não tenha visto com os seus próprios olhos tais horrores abomináveis, pode imaginar coisa igual. A vida inteira desses bandidos consiste em ir e vir do sertão, indo e trazendo cativos com muita crueldade, mortes, saqueios e depois vendendo-os como se fossem porcos do mato”.
"É necessário desarmar os espíritos" - afirmou o ministro da Justiça José Eduardo Cardozo. Pelo visto, se for verdade o anúncio de Francisco Maia Borba Gato e da CNA, não são apenas os espíritos que devem ser desarmados. A Força Nacional de Segurança, que ocupou a área, deve desarmar também as agromilícias formadas por pistoleiros contratados pelos fazendeiros.
A nova ofensiva dos agrobandeirantes anunciada pelo coordenador da bancada ruralista na Câmara, deputado Luiz Carlos Heinze (PP/RS - vixe, vixe!) prevê uma manifestação que a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) organizou para fechar as rodovias federais na próxima sexta-feira, dia 14, no horário das 9h às 14 h.
Escudando-se na imunidade parlamentar, a FPA distribuiu banners, camisetas, adesivos para carros, post para facebook, outdoors, anúncios de jornais e revistas, com a recomendação para dizer que esse material foi produzido pela Frente Parlamentar de Agropecuária "para evitar eventuais ações judiciais futuras", segundo matéria assinada por Evandro Éboli de O Globo(7/6/2013). Eles sabem que estão agindo ilegalmente.
Um panfleto da FPA que já começou a ser distribuído nas rodovias identifica o foco da tensão no campo: "a origem das arbitrariedades é a Funai, que na ânsia de ampliar ao máximo as reservas indígena, promove a violência por intermédio de invasões de propriedades rurais". Ou seja, na lógica da CNA, só chove porque as pessoas saem às ruas com guarda-chuvas e não o contrário.
UÍSQUE DO PARAGUAI
No Estado de Mato Grosso do Sul, segundo Tonico Bentes, vivem 90 mil índios, pertencentes a oito etnias, cujas terras foram invadidas por fazendeiros. Os índios, deportados de suas aldeias, ficaram confinados em acampamentos de beira de estrada. Agora, reivindicam as terras ocupadas pelos agrobandeirantes, que responsabilizam a Funai - o órgão encarregado de identificar e demarcar as terras indígenas. É dentro desse contexto que deve ser analisada esta nova ofensiva dos agrobandeirantes, que contam com o apoio incondicional da grande mídia.
Neste sábado, o Globo berra em manchete: "EMBRAPA ACUSA FUNAI DE DEMARCAR TERRA SEM ÍNDIO". Demarcar terra sem índio? Alguém está mentindo: ou o funcionário da Funai ou o da Embrapa ou O Globo. Se a "notícia" for verdadeira, é preciso que o jornal aponte os nomes dos funcionários responsáveis para que sejam punidos e processados por crime de falsidade ideológica. Se for mentira, quem deve ser punido é o funcionário da EMBRAPA, autor anônimo do relatório de onde o jornalão da família Marinho jura ter retirado tal "informação".
Mas o jornalão nem se preocupa em apontar nomes, nem em comprovar se a "notícia" é verdadeira. Embarca na canoa do agrobandeirantismo e anuncia como verdade o que é falso, nos permitindo concluir que está agindo mesmo de má-fé.
E se eu for lá, tirar fotos e mostrar que a terra está ocupada por índios? O Globo, na mesma edição, no sub-título, se apressa em prevenir que são "indígenas que vieram do Paraguai".Esse é um argumento mais velho do que "a preta do leite", tão antigo que é de estranhar que na carta dirigida a D. Manuel, Pero Vaz de Caminha não o tenha informado que os índios da Bahia eram paraguaios.
A revista VEJA em 2007 veio com o mesmo papo. Eles pensam que índio é como uísque: se veio do Paraguai, é falso. Desconhecem as pesquisas etnográficas e etnohistóricas, que envolvem um cuidadoso levantamento genealógico, sistemas de parentesco, organização social, cosmologia, conhecimento da língua e registros escritos e orais. Se lessem tais estudos, saberiam que o povo guarani habita esses territórios muito antes da criação das fronteiras nacionais e que ainda hoje é comum encontrar nas aldeias guarani do Brasil, Argentina, Uruguai ou Paraguai indivíduos e famílias que moraram ou nasceram em diferentes países.
Os donos do poder, para defender seus interesses particulares, sempre exploram o sentimento nacional que está no coração de cada brasileiro e transformam isso em xenofobia. Quando são incomodados, inventam sempre um inimigo estrangeiro: os anarco-sindicalistas eram espanhóis ou italianos, os comunistas eram russos ou cubanos, agora os índios são paraguaios. Não precisa da Embrapa para fazer tal afirmação. É tão inconsistente e ridículo como se os índios, vendo os cabelos louros, os olhos azuis e os sobrenomes dos fazendeiros, os "acusassem" de "alemães".
Um aluno guarani do Curso de Formação de Professores do Rio Grande do Sul, onde ministrei algumas aulas, me deu de presente um cd com músicas em língua guarani. Em uma delas, tem um poema que é um hai-kai. Nele, a borboleta amarela que voa no céu azul é infinitamente bela, entre outras razões, porque não faz mal a ninguém. Beleza e bondade caminham juntas. Com esse critério, podemos nos perguntar qual é a estética e a ética da violência cometida contra os índios? Como classificar O Globo, o agronegócio e Kátia Abreu em sua infinita maldade?
 P.S. Ilustraçoes do parceirinho Fernando Assaz Atroz



sábado, 8 de junho de 2013

Megaprojetos na Amazônia ameaçam os povos indígenas isolados


A equipe do Conselho Indigenista Missionário – Cimi, de apoio aos povos indígenas isolados, reunida em Manaus nos dias 4 a 7 de junho/2013 fez uma análise dos impactos dos megaprojetos de infraestrutura projetados e em construção na Amazônia sobre esses povos.

Foi constatado que está em curso uma campanha contra os direitos dos povos indígenas veiculada diariamente pelos grandes meios de comunicação para respaldar os interesses dos empresários do agronegócio, latifundiários, mineradoras e a política desenvolvimentista do Governo Federal, caracterizada pelo autoritarismo, pelo uso da violência pelas forças repressivas (dois indígenas assassinados pela PF, um Munduruku/PA em novembro/2012 e outro Terena/MS em maio/2013), pelo desrespeito a Constituição, as convenções internacionais e a legislação ambiental.

Este cenário, que se materializa na Amazônia pelas obras de infraestrutura do Programa de Aceleração do Crescimento - PAC, pelo avanço do desmatamento, do gado, da exploração madeireira, mineral e petrolífera, espalha os conflitos na região e é particularmente trágico para a vida e o futuro dos povos indígenas isolados.

No Maranhão os Awá Guajá tem o seu território sistematicamente invadido por madeireiros que agem impunemente há anos, inclusive em terras indígenas já regularizadas aonde vivem estes indígenas isolados. Este fato foi recentemente denunciado a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA.

Os isolados Avá Canoeiro na Ilha do bananal Tocantins estão ameaçados pelos projetos de monocultura, que retiram água do rio Javaé e Formoso, assoreando e contaminando os rios, pelas invasões de pescadores, e pela projeção de duas estradas que cortarão a ilha ao meio.

As barragens de Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira atingem cinco grupos indígenas isolados. A existência desses grupos só foi reconhecida após terem sido concedidas as licenças de instalação das obras. Estes grupos, em busca de um habitat mais seguro, estão se aproximando de fazendas e de aldeias de outros povos indígenas podendo gerar conflitos.

Na bacia do Rio Xingu, 06 grupos indígenas isolados sofrem a influência da barragem de Belo Monte. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos, CIDH, em 29 de julho de 2011, determinou ao Estado brasileiro que adotasse medidas para a proteção da vida, a saúde e a integridade pessoal dos membros das comunidades indígenas em situação de isolamento. Após três anos, praticamente inexistem ações do governo para cumprir a solicitação.

A vida de outros 5 grupos de isolados será ameaçada caso sejam construídas as barragens, atualmente na fase de estudos, da bacia do rio Tapajós.

As empresas petrolíferas ameaçam os povos indígenas isolados no Departamento de Ucayali no lado peruano e no lado brasileiro, na terra indígena Vale do Javari no Amazonas e no Acre.  Na mesma região está em estudo a construção da ferrovia Cruzeiro do Sul-AC/Brasil – Pucalpa/Peru, cujo traçado incide diretamente sobre o território do povo indígena isolado do igarapé Tapada.

Denunciamos à sociedade brasileira que o risco a vida dos povos isolados vem aumentando nos últimos anos e tem-se agravado com a atual política do governo Dilma de imposição de um modelo macro econômico altamente agressivo e depredador.

Manaus, AM, 07 de junho de 2013.

Equipe do Cimi de apoio aos povos indígenas isolados



A nova "guerra justa" aos índios

Quando os donos do poder mobilizam as forças armadas para atacar os mais vulneráveis, uma situação de terrorismo de Estado está em curso. É o que acontece hoje no Brasil

Por Felipe Milanez
Índios mundurukus se reuniram com o ministro Gilberto Carvalho para discutir a suspensão de empreendimentos energéticos na Amazônia
A crise da questão indígena nas últimas semanas ganhou ares dramáticos. Conflitos antigos estão pipocando por todas as partes do Brasil, do Sul à Amazônia. Seja onde se constrói Belo Monte, seja na futura usina São Luiz do Tapajós, seja em fazendas no Mato Grosso e no Mato Grosso do Sul, no Paraná, no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, no Pará, na Bahia, ou madeireiros em Rondônia e no sul do Amazonas.
De repente todo o campo ganhou ares de fronteira, de velho oeste.
Protestos de indígenas são seguidos por pistolagem, e a polícia agindo para "dispersar" convulsões sociais - agora os ruralistas também estão pedindo o exército.
E as tristes mortes de Oziel Terena e Adenilson Kirixi Munduruku, com pífia resposta das autoridades que produziram essas mortes, a Polícia Federal, são apenas a parte mais exposta e visível desse grave problema que o governo tem mostrado não apenas incapacidade de resolver, mas uma capacidade de insuflar ainda mais, como tem sido as declarações dos ministros Gleisi Hoffman (Casa Civil) e José Eduardo Cardozo (Justiça), atacando a Funai e defendendo a PF, e o silêncio público da presidenta Dilma Rousseff.
Uma das razões pelas quais os conflitos se agravaram não é porque eles não existiam, mas porque agora os indígenas, e os aliados dos povos indígenas, decidiram responder e se manifestar. Contra eles, capitaneados pela bancada ruralista no Congresso e no governo federal, a violência explodiu. Tanto no campo, com mortes e repressão física, quanto na imprensa, com ataques racistas pela mídia e a inversão da lógica de quem é vítima.
As vítimas se tornam os agressores. "Índios invadem fazendas", aparece no noticiário. Mas não são as fazendas que invadiram estes mesmos territórios indígenas em conflitos?
No caso da Terra Indígena Buriti, onde ocorreu o conflito entre fazendeiros e Polícia Federal contra os indígenas, a resposta é clara, e está judicializada em dois tipos de ação.
Em uma das ações na Justiça, os fazendeiros, entre eles do ex-deputado estadual do PSDB Ricardo Bacha (que se considera "ambulante" na sua ficha), discute a portaria declaratória. Nela, o desembargador Luiz Stefanini, que votou contra os índios, teve suspeição alegada pela Funai, e negada pelo próprio tribunal.
A razão é que sua mulher é credora da Funai em outro conflito com indígenas Terena no estado, e seu sogro era uma liderança da associação de classe dos fazendeiros, a Famasul.
A suspeição foi negada com a alegação de que "ainda que o falecido sogro do excepto tenha sido filiado à aludida federação, nem por isso seria caso de acolher-se a exceção, simplesmente porque da premissa estabelecida pela excipiente não resulta a conclusão exposta" (sic), e que a Funai é que deve a esposa do desembargador, logo: "Ora, qual seria o interesse do juiz em julgar a causa em detrimento de sua devedora? Absolutamente nenhum!", decidiu o desembargador Nelton dos Santos.
Agressão desmedida da PF
A outra ação decorrente desse mesmo conflito é a reintegração de posse que visa a tirar os indígenas das áreas reocupadas dentro do limite declarado com base no argumento de que a decisão do Tribunal Federal diz que não é terra indígena e que por isso os indígenas não podem ficar lá. Acontece que, no momento que a decisão liminar que determinou a expulsão dos índios foi expedida, ocasionando a morte de Oziel, o que prevalecia era a área declarada pelo Ministro da Justiça em 2009 como TI Buriti, com 17200 hectares. A agressão desmedida da Polícia Federal apenas reforça o argumento de que as vítimas desse processo de expropriação, os índios, se tornaram vítimas da justiça e do governo. E os agressores viram falsas vítimas, passando a controlar o acesso as instituições em seu benefício.
No caso das demarcações, governo tem agido em movimentos coordenados pela elite rural anti-indígena, como foi a ida da ministra Gleisi Hoffmann ao Congresso. Nos últimos dias, os piores momentos da ditadura estão sendo lembrados, tanto por declarações do governo, capitaneadas pela ministra da Casa Civil - que vê a Embrapa, especializada em pesquisa agropecuária, como o órgão mais apto a pesquisas antropológicas – quanto por cartas de intelectuais e movimentos sociais denunciando essa violência.
Exemplo dessas manifestações é uma carta, assinada entre outros pelo jurista Dalmo Dallari, endereçada à presidenta Dilma Rousseff sobre a “desqualificação da Funai”:
"A decisão da Casa Civil da Presidência da República apresentada aos representantes do agronegócio e parlamentares do Mato Grosso do Sul, em reunião na semana passada em Brasília, de que a Embrapa, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Ministério do Desenvolvimento Agrário, “avaliarão e darão contribuições” aos estudos antropológicos realizados pela FUNAI, repete a ação do último governo militar ao instituir o famigerado “grupão” do MIRAD, capitaneado pelo general Venturini, para “disciplinar” a FUNAI e “avaliar” as demandas indígenas.
Quando os donos do poder mobilizam as forças armadas para atacar os mais vulneráveis, uma situação de terrorismo de Estado está em curso. É o que acontece hoje no Brasil com relação aos índios.
Utilizar as forças de repressão para atacar indígenas foi medida utilizada no passado, durante a ditadura, contra os ava-canoeiro, em Goiás, os waimiri-atroari, no Amazonas, os panara, no Mato Grosso, ou mesmo os kaingang, em São Paulo, logo antes do surgimento do Serviço de Proteção aos Índios, em 1910. Alguns desses crimes apareceram no relatório Figueiredo, que ficou desaparecido por 45 anos. Mas o relatório é anterior aos piores tempos da ditadura. E precisaria ser escrito um novo relatório sobre o que está acontecendo, hoje, em diferentes os cantos do país.
Se os ruralistas dão entrevistas, escrevem artigos, e aparecem por todos os lados sempre disponíveis, os índios ainda não têm chance de se expressar. A eles têm restado as redes sociais, pelas quais podem manifestar suas indignações. Expor, por exemplo, a crueldade de uma jornalista da TV Globo que invadiu um funeral para entregar uma intimação judicial a índios terenas durante o enterro de Oziel Terena. O que mais tem circulado nas redes sociais são manifestos que não encontram eco na mesma mídia que ataca os índios - mas que encontra meios de se fazer circular e provocar o debate.
As críticas se dirigem aos ruralistas, e junto deles, Gleisi e Dilma: "Como essa senhora consegue dormir sabendo que a parte mais desprotegida do povo brasileiro, os povos indígenas, está sendo assassinada a bala pela Polícia Federal em suas aldeias, as crianças indígenas são assassinadas por jagunços do agronegócio em suas terras invadidas por supostos fazendeiros?" perguntou no facebook o indigenista da Funai, Cláudio Romero, que trabalha há quase quatro décadas na fundação.
Kátia Abreu e Dilma
Durante o julgamento do caso da Raposa Serra do Sol, havia sido exposto que o juiz Carlos Alberto Menezes Direito poderia ter servido ao lobby de fazendeiros do sul do país para decidir contrariamente aos indígenas em Roraima. Para garantir a demarcação no Norte, Direito tentou legislar para impedir que os direitos de outros fossem garantidos. Tentou escolher na cara de quem a porta da Justiça iria se fechar.
Passou a soar uníssono entre ruralistas, governo e imprensa que as "regras não são claras" na Funai, como se todos fossem comentaristas de futebol tentando encontrar uma "a regra é clara".
Alegavam que a Funai não conseguia fazer uma "intermediação" com fazendeiros, e mais uma série de argumentos retóricos reproduzindo uma falsa vitimização da casa grande, cada vez mais poderosa com o avanço tecnológico na agricultura e a sede por commodities da China, e criminalizando quem está no pelourinho.
A desconstrução dos direitos indígenas segue a destruição dos direitos do meio ambiente, com o fim do Código Florestal e a sua substituição por um "novo" codex, a regular menos as florestas e mais as lavouras produtoras decommodities em grande escala.
O governo, em alguns momentos, tenta se colocar como "refém" dos poderosos ruralistas. Esse segmento, que construiu uma aliança com a bancada evangélica, saiu da "oposição" e veio para a "base aliada", sobretudo durante a campanha de Dilma.
E para ter uma chamada "governabilidade", o governo se aliou a esses setores. Até "ideologicamente", como tem repetido a senadora Kátia Abreu ao dizer que suas idéias são as mesmas de Dilma.
Essa aliança, além de tragédia no campo, tem também acirrado disputas internas no governo, entre esta ala reacionária e os setores mais progressistas, como os que defendem os indígenas e quilombolas, na Funai e INCRA, e o meio ambiente no Ibama.
Quando Dilma convocou uma reunião para decidir o futuro dos índios em meio à atual crise, não convidou representantes dos povos indígenas, e nem mesmo a Funai.
Dilma teria declarado querer que o índio tenha "autonomia econômica", algo que ressoa declarações da época da ditadura, como quando os militares tentaram impor aos xavantes o cultivo de arroz, que se revelou um desastre, econômico e social, ou impôs aos kayapo a extração predatória de madeira. Nas declarações que sucederam a reunião, não se falou de algo mais fundamental: a garantia dos direitos dos povos indígenas. Nem sequer apareceu termos como "etnodesenvolvimento" nas falas.
Esse movimento anti-indígena cada vez mais ganha áreas de uma "guerra justa".
Os índios são selvagenizados, desculturalizados, desterritorializados, desumanizados. Devem abrir caminho para a soja, a cana, o boi, e a energia hidrelétrica, sem opor resistência.
Caso contrário, toda violência contra eles é justificada e respaldada pelo Estado. Contra o índio, é tolerado partir para cima. Como nas "guerras justas" nos tempos a colonização utilizadas como justificativa para a escravização dos índios – escravização que ainda é o provável destino dos índios nas lavouras de cana no Mato Grosso do Sul, como acontecia no Brasil colônia.

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Antropóloga Marta Azevedo deixa presidência da Funai



Saída ocorre após morte de indígena em MS e protestos em Brasília.

Marta Azevedo alegou motivo de saúde; interina assumirá na segunda.



Do G1, em Brasília



Marta Azevedo em imagem de abril, durante cerimônia de criação do Comitê Gestor da Política de Terras Indígenas, em Brasília (Foto: Elza Fiúza / Agência Brasil)
Marta Azevedo, durante cerimônia de criação do
Comitê Gestor da Política de Terras Indígenas,
em abril (Foto: Elza Fiúza / Agência Brasil)
A presidente da Fundação Nacional do Índio, Marta Maria do Amaral Azevedo, deixou o cargo nesta sexta-feira (7), segundo informou a assessoria de imprensa do órgão. A saída ocorre uma semana após a morte de um índio terena durante uma conflituosa reintegração de posse em Mato Grosso do Sul e em meio a protestos de indígenas em Brasília contra a instalação de usinas hidrelétricas.
Segundo o Ministério da Justiça, ao qual a Funai é subordinada, Azevedo pediu demissão alegando motivos de saúde. Nomeada pela presidente Dilma Rousseff em abril do ano passado, a antropóloga foi a primeira mulher a dirigir a Funai, responsável pelos estudos para a demarcação de terras indígenas.
A carta de exoneração foi entregue ao ministro da Justiça, José Eduardo Martins Cardozo. A Funai informou que assumirá o cargo interinamente, a partir de segunda-feira (10), Maria Augusta Boulitreau Assirati, que é diretora de Promoção ao Desensenvolvimento Sustentável.
Em nota, o Ministério da Justiça disse que desde abril Azevedo tem passado por "sucessivos afastamentos" e agora deixa o cargo "para poder cuidar de seu tratamento". "O ministro da Justiça [José Eduardo Cardozo] agradece a colaboração, o empenho e a dedicação da antropóloga, cuja respeitabilidade acadêmica e indigenista engrandeceu a Funai. Marta Maria Azevedo continuará dando sua contribuição ao país e à causa indígena, colaborando com o Ministério da Justiça", diz o comunicado.
Também em nota, a Funai disse que "a decisão foi tomada por ela em virtude da necessidade de realizar tratamento médico que é incompatível com a agenda de presidenta". A nota diz que a susbstituta, Maria Augusta, e os demais diretores darão continuidade à missão da fundação.
"Ressaltamos que Maria Augusta ingressou na Funai a convite da presidenta e tem conduzido a DPDS com extrema competência e comprometimento com a missão deste órgão. Maria Augusta e os demais diretores darão continuidade à missão da instituição na promoção e proteção dos direitos dos povos indígenas, com o compromisso de fortalecimento da Funai, mantendo o amplo diálogo com os povos indígenas, servidores e demais setores do governo."
Mais cedo, nesta sexta, o ministro Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral da Presidência), responsável pelo diálogo com movimentos sociais, disse que o governo está "preocupado" e trabalha para fortalecer a Funai. Ele também disse haver interesse para tornar o processo de demarcação de terras indígenas menos “judicializado”.
A demarcação de terras é feita pelo Ministério da Justiça com base em estudo antropológicoda Funai. Atualmente, o governo discute um novo procedimento para a demarcação que também leve em conta a posição de outros órgãos federais, ligados a agricultura, por exemplo. A expectativa é que a mudança seja publicada até o fim deste semestre.
Mapa arte Sidrolândia em MS (Foto: Editoria de Arte/G1)
Morte de indígena

A morte do indígena Oziel Gabriel , baleado durante conflito com policiais numa propriedade rural ocupada por terenas em Sidrolândia, no último dia 30 de maio, mobilizou o governo para o agravamento da tensão com produtores rurais. A presidente Dilma Rousseff determinou investigação imediata da Polícia Federal.

Os índios chegaram a sair, mas um dia depois retornaram à Fazenda Buriti, que fica a 70 km de Campo Grande. A área da propriedade já foi reconhecida como terra indígena, mas ainda não teve a demarcação decretada pelo governo, o que levou a disputa à Justiça.

Na quarta (5), o Tribunal Regional Federal 3ª Região (TRF), suspendeu a reintegração de posse que levou ao conflito em Sidrolândia, acatando um recurso da Advocacia Geral da União (AGU), feito por meio da procuradoria da Fundação Nacional do Índio (Funai).

A permanência dos índios na fazenda, no entanto, levou o governo a enviar ao local 110 homens da Força de Segurança Nacional, que deverão permanecer por 30 dias para evitar conflitos entre indígenas e produtores rurais.

A principal reivindicação dos terena é uma área cujo processo demarcatório se arrasta há 13 anos. De acordo com a Funai, são ao menos seis propriedades invadidas.

Protestos em Brasília

Em Brasília, índios mundurukus estão desde terça-feira (7) em protestos e reuniões para manifestar contrariedade à instalação de usinas hidrelétricas em Tapajós, no Pará, e Teles Pires, em Mato Grosso. Na terça, eles também pediram ao ministro Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral da Presidência) a interrupção das obras em Belo Monte, o que foi negado.

Nesta quinta, Carvalho divulgou carta em que reitera a disposição do governo em promover uma consulta pública sobre as usinas hidrelétricas. Foi uma resposta  a uma carta dos mundurukus entregue na quarta, em que pediam uma manifestação oficial do governo “declarando se será ou não respeitada” a decisão dos indígenas.
Gilberto Carvalho afirmou que “o governo federal mantém seu compromisso de dialogar com todos os indígenas da região do Tapajós para a garantia que seus direitos sejam respeitados e que suas posições e propostas sejam consideradas no que diz respeito aos possíveis aproveitamentos hídricos na bacia do rio Tapajós”.

Índios afetados por hidrelétricas: três processos, nenhuma consulta


Apesar de o MPF obter vitórias em favor dos indígenas em processos sobre a consulta, governo toca projetos com liminares e suspensões de segurança
05/06/2013
Os indígenas impactados de maneira definitiva pelos projetos de usinas hidrelétricas na Amazônia nunca foram consultados previamente, da forma definida pela Constituição brasileira e pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário. Por esse motivo, o governo brasileiro responde a três processos judiciais, movidos pelo Ministério Público Federal no Pará e no Mato Grosso.
Nas ações, o MPF defende o direito de consulta dos povos indígenas Arara, Juruna, Munduruku e também para os ribeirinhos dos rios Xingu, Tapajós e Teles Pires. Uma quarta ação está em estudo, em defesa do direito dos Kayabi, afetados pela usina de São Manoel e nunca consultados. O licenciamento da usina está em andamento, mas chegou a ser paralisado por não prever sequer estudos de impactos ambiental sobre os indígenas.
Os índios que ocupavam um dos canteiros de obras da usina de Belo Monte foram à Brasília ontem (4) debater a reivindicação da consulta em uma reunião com o governo federal. A Vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat, acompanhou a reunião, assim como a presidente da Associação Brasileira de Antropologia, Carmen Rial.
Suspensões de segurança
Em todos os processos que move sobre a consulta, o MPF obteve vitórias em favor dos indígenas, mas o governo recorreu e toca os projetos com base em liminares e suspensões de segurança – instrumento em que o presidente de um tribunal suspende decisões das instâncias inferiores de forma solitária,  sem julgamento em plenário. A suspensão de segurança não analisa os argumentos debatidos na ação, apenas se uma determinada decisão judicial afeta a ordem, a saúde, a segurança e a economia públicas, deixando o debate sobre os motivos do processo para depois.
Sobre o histórico de suspensões de decisões nos processos de usinas, os desembargadores da 5ª Turma do TRF1, que julgou os casos de Belo Monte e Teles Pires, lembraram que esse tipo de suspensão surgiu na lei processual brasileira em 1964, durante o regime de exceção. “A lei é de exceção e o Estado, hoje, é de direito. Portanto, a lei que criou a figura excepcional de suspensão de segurança, rompendo com o devido processo legal, é um diploma autoritário”, disseram em um acórdão.
Conflitos
Nos três rios que são objeto das ações do MPF pela consulta, o governo brasileiro tem projetos de pelo menos 11 hidrelétricas em estágios variados de construção e licenciamento. Belo Monte, o caso mais emblemático, já acumula mais de 17 processos na Justiça Federal e incontáveis conflitos com índios e trabalhadores. Foi palco de várias ocupações por indígenas, as últimas reivindicando claramente o direito da consulta prévia.
A maior parte dos indígenas que ocuparam Belo Monte por 17 dias somente no último mês de maio vivem no rio Tapajós, afetados pelas usinas de São Luiz do Tapajós, São Manoel e Teles Pires. São Luiz do Tapajós é um dos grandes focos de conflito, mas não é o único. A usina Teles Pires, já em estágio de construção, explodiu cachoeiras consideradas território sagrado para os índios Munduruku. Eles nunca foram consultados e por isso, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília ordenou a paralisação da obra em agosto do ano passado. Mas a decisão dos três desembargadores que analisaram o processo foi suspensa por uma decisão monocrática do presidente do Tribunal, Mário César Ribeiro. O processo continua tramitando.
No caso de São Luiz do Tapajós, todas as instâncias judiciais reconheceram o direito à Consulta não só para os índios, como para os ribeirinhos, que no rio Tapajós são conhecidos como beiradeiros. Em vez de fazer as consultas, no entanto, o governo recorreu na Justiça e montou uma operação da Força Nacional para garantir os estudos de impacto dentro dos territórios indígenas, o que é um dos principais motivos para a revolta dos Munduruku. Novamente, a Advocacia Geral da União conseguiu suspender as decisões favoráveis aos índios, dessa vez por meio de uma decisão monocrática do presidente do Superior Tribunal de Justiça, Félix Fischer.
O primeiro caso do MPF sobre a consulta, iniciado em 2006, diz respeito aos indígenas do Xingu, impactados pela usina hidrelétrica de Belo Monte. A batalha judicial já completou sete anos. No começo do processo, os advogados do governo alegavam que as consultas poderiam se dar em qualquer etapa do licenciamento ambiental, que os estudos poderiam prosseguir, que as licenças poderiam ser concedidas e depois a consulta seria feita.
No meio do processo, o governo federal mudou sua argumentação e passou a dizer que os indígenas do Xingu nem precisariam ser consultados, porque a hidrelétrica não alagará terras indígenas. O TRF1 desconsiderou o argumento, já que a obrigação prevista na Convenção 169 é para consultar povos afetados e que terão seus modos de vida modificados, não necessariamente alagados. No caso do Xingu, o rio será desviado para abastecer a usina: em vez de alagar, as terras indígenas vão secar, o que pode ser impacto ainda mais grave.
A decisão favorável aos indígenas no caso de Belo Monte, que paralisou a usina por dez dias em agosto de 2012, também foi suspensa por uma decisão monocrática, do então presidente do Supremo Tribunal Federal, Carlos Ayres Britto. Até agora, o plenário do STF não analisou a questão.
O momento da consulta
Entre as suspensões de segurança concedidas ao governo federal por Félix Fischer, Ayres Britto e Mário César Ribeiro existe uma coincidência: nenhuma delas afirma que que a consulta não é necessária ou não precisa ser feita, apenas permitem que o governo siga com estudos, cronogramas e obras até que chegue a hora de se julgar o direito da consulta. Para o MPF, o momento da consulta afeta decisivamente a efetividade desse direito.
De acordo com a Convenção 169, a consulta é necessária em qualquer projeto ou decisão de governo que vá afetar, modificar, de forma permanente e irreversível, a vida de povos indígenas, tribais e tradicionais. Para o MPF, deve ser aplicada a várias populações amazônicas, não apenas indígenas. E deve ser feita antes de qualquer decisão sobre o projeto.
Atualmente, o governo tenta convencer os indígenas do Tapajós e o judiciário que a consulta pode ser feita depois dos Estudos de Impacto Ambiental. Em argumentações nos processos judiciais, a AGU contraditoriamente afirma que quer fazer a consulta, batizada de Diálogo Tapajós, mas que não pode deixar de cumprir o cronograma de implantação da usina – do qual os estudos de impacto são etapa inicial. Para a AGU, para ser prévia, basta que a consulta seja feita antes da Licença Prévia concedida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente.
Para o MPF, isso equivale a tornar a consulta inválida, porque a decisão de construir a usina foi tomada muito antes do Ibama entrar no processo, quando concluído o inventário da bacia hidrográfica e definidos os pontos para construção de hidrelétricas. “Se a obra já tem até cronograma, como falar em consulta?”, questiona o procurador da República Felício Pontes Jr, que acompanha os processos sobre o assunto.
Após o inventário da bacia hidrográfica existem dois momentos em que o governo, em conjunto com empresários da construção civil e do setor elétrico, decide realmente pela construção da usina, sem a participação dos povos afetados. São as resoluções do Conselho Nacional de Política Energética e da Agencia Nacional de Energia Elétrica que definem que a obra será realizada. “Esses momentos tem que ser precedidos de consulta aos povos afetados, ou então o Brasil estará violando o compromisso assumido na Convenção 169”, explica o procurador Ubiratan Cazetta.
(Foto: Xingu Vivo)
Processo sobre a consulta da usina Teles Pires: 0018341-89.2012.4.01.0000

Processo sobre a consulta da usina São Luiz do Tapajós: 0003883-98.2012.4.01.3902

Processo sobre a consulta da usina Belo Monte: 200639030007118

As informações são do MPF

Para entender porque matam os índios


O caso da demarcação das terras indígenas no Mato Grosso do Sul ou em qualquer outro estado do país não está fora do contexto desse avanço e fortalecimento do agronegócio
06/06/2013

Elaine Tavares

No início do século XX, o Brasil decidiu expandir suas fronteiras agrícolas, fortalecendo a sua posição de país dependente, exportador de matérias primas. Era necessário então avançar pelo interior, abrir caminhos para a pecuária e a agricultura. Aí entrou em cena o Marechal Rondon, que sonhava com uma convivência pacífica entre índios e brancos: "morrer sim, matar, jamais". Mas, esse legado de humanidade se perdeu no tempo. "Pacificados," os indígenas chamados a se "civilizar", a entrar no ritmo da sociedade branca, foram perdendo sua identidade, suas raízes, sua cultura. Outros, renitentes, foram alojados em reservas, como se fossem bichos exóticos, com suas terras diminuídas e tutelados pelo estado. O território "pacificado" ganhou escrituras, donos, cercas. E aos verdadeiros donos do território restou a nostalgia de um tempo em que eles podiam viver à sua maneira.
Agora, durante o mais novo ciclo de desenvolvimento dependente brasileiro, que teve início no governo Lula, é justamente essa dita fronteira agrícola que busca se expandir outra vez e, de novo, às custas dos povos originários ou dos camponeses sem terra. Mas, quando falamos em agricultura não está em questão aquela que produz comida para a mesa dos brasileiros, e sim a de exportação, que na linguagem empresarial ganhou o pomposo nome de agronegócio. Pois esse negócio (o agrobussines) representa mais de 22% da riqueza total produzida no país, o que não é pouca coisa. Só a China tem importado mais de 380 milhões de dólares em produtos agrícolas, bem como os Estados Unidos que encosta nessa mesma cifra.
Segundo informações do governo federal (http://www.brasil.gov.br/sobre/economia/setores-da-economia/agronegocio - dados de 2011) , os produtos de maior destaque que saem do país são as carnes (US$ 1,14 bilhão); os produtos florestais (US$ 702 milhões); o complexo soja - grão, farelo e óleo (US$ 685 milhões); o café (US$ 605 milhões) e o complexo sucroalcooleiro - álcool e açúcar (US$ 372 milhões). Nota-se que a maior parte da exportação diz respeito a grãos (que no geral servem para alimentar animais) e madeira, dois legítimos representantes da monocultura destruidora de terra.
Cálculos do governo apontam para o sucessivo crescimento da produção de grãos, principalmente a soja, que tem aumentado a área plantada em 2,3% ao ano. Não é por acaso, então, que o Mato Grosso do Sul seja o principal foco de disputa de terra e de violência contra os indígenas. É justamente a região centro-oeste a responsável por 45% da produção de soja. E é lá também onde existe uma grande parcela do povo autóctone, esperando demarcação de suas terras.
A partir do ano de 2003 outra fronteira começou a se alargar na plantação de soja, atualmente outro espaço de violentas disputas, a da região da caatinga e a parte nordestina da Amazônia. Também não é sem razão que o governo esteja levando adiante obras gigantescas como as Hidrelétricas na Amazônia e a transposição do Rio São Francisco. Tudo isso é para atender a demanda dessas plantações. E é sempre bom frisar: não é comida para o povo, é produto de exportação. Vai para fora do país.
Não bastassem os projeto mirabolantes para beneficiar o agronegócio, o governo também disponibiliza, através do Plano Safra, crédito a juros abaixo do mercado. Ou seja, os mais ricos pagam menos pelos empréstimos, enquanto os pequenos, que plantam a comida que vai para a mesa da população, amargam juros altos e falta de apoio. Também está em andamento o Plano Estratégico do Setor Sucroalcooleiro, que visa ampliar a área de cana-de-açúcar para a produção do etanol. mais uma vez, não é comida o que essa gente produz.
A lógica é a de sempre: garantir rentabilidade para poucos donos de terra, reforçar o sistema agroexportador, apoiar a ação de multinacionais predadoras, e seguir o caminho de dependência econômica, já que produtos agrícolas de baixo valor agregado tornam a economia bastante vulnerável. Mas, ao que parece isso não importa. O que vale é seguir investindo nos grandes produtores para manter a balança em superávit, mesmo que isso precise custar soberania, destruição ambiental e morte daqueles que ousam "atrapalhar" o esquema.
Assim, na mesma semana em que indígenas são assassinados no Mato Grosso do Sul, o governo anuncia mais um pacote de 136 bilhões de reais para a agricultura empresarial (o agronegócio). É a completa rendição.
O caso da demarcação das terras indígenas no Mato Grosso do Sul ou em qualquer outro estado do país não está fora do contexto desse avanço e fortalecimento do agronegócio. Os fazendeiros querem mais terras e não estão dispostos a permitir que seres que eles consideram "inúteis" vivam sua cultura de equilíbrio ambiental e desenvolvimento fora do ritmo capitalista. Para aqueles que apenas conseguem enxergar os números da bolsa de Nova Iorque, a população indígena é um entrave que precisa ser retirado do caminho a qualquer custo. Para isso contratam jagunços e mandam bala. Fazem ouvidos moucos ao clamor que se levanta.
Ajudados pela mídia comercial, dominada pela elite que verdadeiramente governa o país, esses empresários rurais conseguem também entrar na cabeça das gentes, fertilizando um discurso racista, preconceituoso e violento. Pessoas simples, trabalhadores, gente que deveria ser solidária aos indígenas na sua luta pelo direito de viverem em suas terras, acabam reproduzindo o mantra diariamente veiculado na televisão: que os índios são vagabundos, que não querem trabalhar, que não precisam de terra, que vão vender os terrenos, que vão explorar a madeira, e assim por diante. "Compram" a mentira diuturnamente produzida e tornam-se cúmplices de mais um massacre da população originária, verdadeira dona desse lugar.
Não bastasse isso o governo federal se curva aos interesses da classe dominante e emprega a força bruta para atacar manifestações legítimas dos povos indígenas e das gentes que apoiam a causa originária.
O conflito que temos visto se explicitar nas estradas do Mato Grosso do Sul, na Amazônia e até aqui, no Morro dos Cavalos, nada mais é do que a luta de classe, típica do capitalismo. De um lado, o latifúndio defendendo seus interesses, do outro, os explorados, buscando vida digna. E, no meio disso tudo uma nação alienada pela constante deformação informativa da mídia comercial que transforma em inimigo aqueles que são as vítimas do sistema.
A saída para esse imbróglio é a luta mesma. Nada será concedido pelo governo, que já se ajoelhou diante do agronegócio. Agora, o desafio é tirar o véu do conflito, escancarar as causas, abrir os olhos dos entorpecidos pela mídia. E isso, sabemos, é coisa difícil demais. Mas, também não é coisa que deva nos imobilizar. Pelo contrário. Nessa hora em que os irmãos indígenas enfrentam as balas e a morte, é preciso apoio concreto e efetivo. O bom mesmo seria que as gentes saíssem para a rua em solidariedade à luta indígena. Enquanto isso não acontece vamos fazendo o trabalho de formiga, levando outra informação, para que as cabeças possam compreender o direito dos indígenas.
Não é possível que os sindicatos e os movimentos sociais não se levantem em apoio. Não é possível que as gentes brasileiras não se co/movam com o drama de uma gente que perdeu tudo o que era seu e que hoje vive confinada em reservas. O que fizeram para serem prisioneiros do estado e da sociedade? Que crime cometeram além de estarem aqui, criando suas famílias, quando os invasores chegaram? Por que precisam pagar pelo fato de existirem e quererem seguir vivendo sua cultura?
O que farias tu se alguém chegasse na tua casa e te arrancasse dali sob o pretexto de que é preciso passar por ali o progresso - mas não de todos, apenas de alguns? Porque o direito do agronegócio é maior do que o de uma comunidade inteira?
Essas são perguntas que não querem e não podem calar. Todo apoio aos irmãos indígenas!

Elaine Tavares é jornalista.