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quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Para os Awá-Guajá, trem da Vale é o “barulho do terror”

Para os Awá-Guajá, trem da Vale é o “barulho do terror”


Uma das tribos mais ameaçadas do mundo, os Awá Guajá não conheciam os brancos até recentemente. Mas na reserva do Gurupi, no Maranhão, o impacto do pólo minerador-exportador põe em risco o modo de vida dos índios.
Uma mulher dá de mamar a um macaco guariba. Outros dois meninos brincam com um periquito e um terceiro, deitado em uma rede, com um quati. A imagem de galhos e folhas de árvores é coberta por uma fala de som  inusitado, a língua guajá.
As cenas são de um vídeo produzido pela Survival International como parte de uma campanha para salvar a “tribo mais ameaçada do mundo”, segundo a organização, os Awá-Guajá. Atualmente, os índios dessa etnia ocupam três áreas no Maranhão: a Terra Indígena Alto Turiaçu, a Terra Indígena Awá e a Terra Indígena Carú.
“Na verdade, [a área das terras indígenas] só tem esse formato devido ao empreendimento Carajás, que dividiu uma grande reserva florestal, a do Gurupi, para se tornar esse mosaico que é hoje”, conta Rosana Diniz, coordenadora regional do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) no Maranhão.
Ela se refere à Estrada de Ferro Carajás (EFC), do Programa Grande Carajás, o pólo de produção e exportação de minérios da então Vale do Rio Doce – hoje Vale S/A – implantado nos anos 80. O trem que parte da Floresta Nacional de Carajás, no Pará, onde ficam as minas da Vale, segue pelo Maranhão até o porto de exportação próximo a São Luís, é o maior do mundo. São quatro locomotivas e 330 vagões que atravessam com estrondo reservas florestais, terras indígenas, comunidades quilombolas e de pequenos agricultores.
Ainda nos anos 80, a Vale firmou um convênio com a Fundação Nacional do Índio (Funai) para demarcar o território dos Awá-Guajá no Maranhão, apoiando financeiramente o processo. Assim surgiu a Terra Indígena Awá, localizada a 35 km da Estrada de Ferro Carajás. Também estão na área de influência da ferrovia as Terras Indígenas Carú e Mãe Maria afetadas, no momento, pela expansão da Estrada de Ferro Carajás como parte de um projeto da Vale de duplicar a extração de minério no Pará.

 “O BARULHO DO TERROR”

O contato com os Awá-Guajá no Maranhão é recente, poucos falam algumas palavras de português. Há mesmo notícias de Awá-Guajás não contatados. Como vivem da caça e da coleta, circulam pelo território e sentem dramaticamente qualquer impacto sobre ele.
“Os Awá tem toda uma teoria sobre o barulho, sobre o som, que inclusive forma o conhecimento deles sobre a caça. O silêncio na mata é muito valorizado. Eles conseguem ouvir a chuva quando está chegando, minutos antes de ela cair. Então eles têm toda uma teoria nativa sobre o barulho e o barulho do trem é um barulho do terror”, explica Uirá Garcia, antropólogo que trabalha com os Awá-Guajá.
As aldeias mais próximas da ferrovia estão na Terra Indígena Carú. São as aldeias Awá e Tiracambú, distantes cerca de 1,1 km e 1,7 km da ferrovia, respectivamente. Além do ruído que espanta a caça e causa medo às crianças, os Awá-Guajá convivem com desmatamento e a exploração ilegal de madeira no território invadido pela chegada de migrantes atraídos pelos grandes empreendimentos econômicos na região.
“Considerando que é um povo caçador e coletor, que vive exclusivamente da floresta e consequentemente não tem políticas voltadas para esse modo de vida – nem por parte da Funai, nem na assistência da saúde -, esses elementos nos levam a concluir que esse é, realmente, o povo mais ameaçado no Brasil”, acredita Rosana Diniz.

O FUTURO DOS AWÁ-GUAJÁ

A situação de outros índios afetados pelo pólo exportador de Carajás – esses no Pará – antecipa um futuro ameaçador para os Awá-Guajá.
No sudeste do Pará, onde ficam as minas da Vale, o imenso trem corta as terras da comunidade indígena Mãe Maria. Ali, cerca de 700 índios Gavião se dividem em cinco aldeias nos 62 mil hectares que compõem a única área verde do município de Bom Jesus do Tocantins.
Os Gavião enfrentam o mesmo problema de caça que os Awá-Guajá, além de atropelamentos nos trilhos do trem que não pode parar – um maquinista controla o trem de 3,5 km de extensão. O território deles está na área de influência dos megaprojetos de desenvolvimento desde a década de 1970 – dos alagamentos causados pela Usina Hidrelétrica de Tucuruí – e as linhas de energia que cortam o território – à construção da BR-222 (que liga Marabá a Fortaleza).
Os que ficam mais próximos às minas, porém, são os cerca de mil índios Xikrin Kayapó, da Tribo Indígena Cateté, ao sudoeste de Marabá. A área ocupa perto de 440 mil hectares do município de Parauapebas, sede da Floresta Nacional de Carajás – de onde é extraído o minério de ferro da Vale.
As indenizações e programas estipulados pelo IBAMA que a Vale paga aos Xikrin e aos Gavião, por enquanto, são as únicas tentativas de compensar e mitigar os danos causados ao ambiente e  modo de vida dos índios.
O que leva a conflitos e renegociações constantes. “A Vale acha que são coisas definitivas e não são. Da perspectiva dos índios, a negociação está sempre aberta. É sempre possível voltar a negociar porque é sempre insatisfatório. Tem essa figura no direito que chama hipossuficiência jurídica. A desigualdade é tamanha na negociação que, para os índios, a possibilidade de renegociação está mesmo sempre aberta”, diz Iara Ferraz, antropóloga que acompanha os índios Gavião desde a década de 70.
Em 2006, quando índios Xikrin pararam a produção da Vale em Carajás, a empresa declarou não ter obrigação legal de indenizá-los pelos impactos socioambientais causados por seus empreendimentos na região. “É responsabilidade do Estado a garantia de recursos financeiros para atender às necessidades destas comunidades, atuando através da Funai e de outras entidades governamentais”, declarou a companhia.
“É chegada a hora de o Estado definir e implementar políticas de apoio ao desenvolvimento sustentável das comunidades indígenas em todo o território brasileiro. As empresas privadas não podem mais conviver com ilegalidades promovidas por índios, que vêm lançando mão de ações que podem ser caracterizadas como crimes de cárcere privado, roubo, extorsão, dano, invasão de estabelecimento industrial, formação de quadrilha, perigo de desastre ferroviário e desobediência”, afirmava a empresa.
Para Marcos Reis, coordenador do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) Norte 2 – que abrange o Pará e o Amapá –, “o argumento que a Vale usa de que faz caridade, que dá isso de boa vontade, é falacioso, porque ela está condicionada a fazer isso”, diz, se referindo às condições impostas à companhia – então estatal – pelo Senado Federal depois da redemocratização do país.
A resolução nº 331 de 1986 do Senado concedeu à Vale o direito de uso de terras da União por tempo indeterminado mas estipulou entre os deveres da empresa o “amparo das populações indígenas existentes às proximidades da área concedida e na forma do que dispuser convênio com a Fundação Nacional do Índio – FUNAI ou quem suas vezes fizer”.

ÁGUA POLUÍDA

Kangó, um índio de 42 anos, é representante da aldeia Djudjekô, dos índios Xikrin. Ele conta que decidiu começar a estudar para ajudar os índios, índias, curumins e anciãos de sua comunidade. “Tem gente ainda que não sabe falar português, os velhos e as crianças da nossa aldeia são assim. Nem a índia nem o menino sabem português. Eu preciso estudar para poder ajudar eles”, conta. Sua aldeia está mais próxima da área de mineração de níquel da Vale, chamada Onça-Puma, nas terras da Tribo Indígena Cateté.
Ele explica que o aumento da população é um dos fatores que justificam a renegociação das indenizações pagas pela Vale. “Tem muito minério rodeando a aldeia e a aldeia ficou no meio. Esse recurso que a Vale repassa para a comunidade indígena não dá para todas pessoas, porque todo ano a população cresce nas três aldeias Xikrin”, fala.
Juliano Almeida, indigenista da Funai em Marabá, diz que os recursos são destinados  a atividades de interesse da comunidade. “Tem um conselho [na comunidade] que define a forma como esse dinheiro vai ser aplicado”.
As extração de níquel polui bem mais do que mineração de ferro. Na aldeia Djudjekô, próxima às minas de Onça-Puma, os índios temem a contaminação do rio da comunidade, o Cateté. “Nós estamos preocupados com pó que cai na água. As crianças se banham e bebem da água do rio. E com a nossa alimentação, com o peixe. O pó também cai na castanheira, onde nós buscamos a castanha pra se alimentar. Algumas já morreram por causa de pó”, diz Kangó.
O índio conta que as crianças apresentam sintomas de intoxicação como diarreia, coceira e vermelhidão nos olhos. Seu neto de três anos, Pepnhuika, agora está fazendo um tratamento para os olhos. Os gastos com saúde e projetos para sobrevivência das aldeias – como os de cultivo e extração de castanha – são realizados com as indenizações que os índios recebem da Vale. E eles sabem que com esses mesmos recursos têm de se preparar para o futuro, quando as minas se exaurirem.
“Nós temos uma preocupação, uma tristeza, um sentimento. Mas também temos um projeto de plantação de cacau, estamos começando a produzir, a fazenda também já está começando a produzir”, fala Kangó. “Nós temos que trabalhar, para sobreviver os nossos netos, os nossos filhos, para não esquecer o nosso futuro. E assim, se a Vale deixar nós, nós temos o nosso trabalho”.

LUTA JUDICIAL

Em julho do ano passado, o juiz federal Ricardo Macieira da 8ª Vara de São Luís, no Maranhão, determinou a suspensão da expansão da Estrada de Ferro Carajás até que fosse realizado o Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental (EIA-Rima). A duplicação da ferrovia e expansão dos pátios havia sido considerada “uma reforma” pelo IBAMA – apesar de cortar reservas naturais e comunidades protegidas ao longo dos quase 700 km da obra – e a Vale foi dispensada do EIA-Rima, apresentando apenas uma modalidade mais simples de pesquisas, o Estudo Ambiental e Plano Básico Ambiental (EA/PBA).
A decisão do juiz federal atendia às reivindicações da ação civil pública movida por órgãos de direitos humanos, como a Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH), o Centro de Cultura Negra do Maranhão (CCN) e o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), contra o IBAMA – que dispensou o EIA-Rima – e a Vale – que não realizou a consulta prévia a comunidades indígenas e quilombolas – como determina a Convenção 169 da OIT. A ação civil também citava a falta de publicidade na convocação das audiências públicas por parte do IBAMA e da Vale.
Em setembro de 2012, porém, o desembargador federal Mário César Ribeiro, presidente do TRF da 1ª Região revogou a liminar do juiz federal e liberou a execução das obras nos trechos que não ferem as terras indígenas. A questão jurídica, porém, ainda não foi decidida, como explica Rosana Diniz, do CIMI: “A ação judicial continua correndo. A Vale entrou com um recurso alegando prejuízo e nós também entramos com um recurso, um agravo regimental, que será julgado pelo colegiado da segunda instância do TRF. A gente, então, está aguardando o julgamento dessa ação”.
Além disso, segundo a Coordenação-Geral de Índios Isolados e Recém Contatados da Funai, a Licença de Instalação do IBAMA de novembro de 2012, autorizando a duplicação da ferrovia, incluiu as ressalvas do órgão de proteção aos índios pedindo a  interrupção da obra nos trechos que atingem as Terras Indígenas Carú e Mãe Maria até que a Vale entregue os Estudos de Impacto Ambiental do Componente Indígena para a análise e manifestação técnica da Funai.

E COMO FICA A “TRIBO MAIS AMEAÇADA DO MUNDO”?

Em 2007, a Vale renovou o Acordo de Cooperação firmado com a Funai para atender as necessidades e demandas das Terras Indígenas Carú, Awá e Alto Turiaçu. Segundo a assessoria de imprensa da empresa, o acordo – que tem vigência até 2016 – tem o objetivo de atender a especificidade cultural dos índios Awá.
Não será fácil, a julgar pela opinião do antropólogo Uirá Garcia, que explica: há uma série de impactos ambientais e sociais que fazem com que os Awá-Guajá se sintam historicamente prejudicados pelos empreendimentos da Vale, além de um abismo cultural na relação entre companhia e índios.
“O sentimento geral da população Awá-Guajá, que está na Terra Indígena Carú, na aldeia Awá e na aldeia Tiracambú, é que eles não querem essa duplicação [da ferrovia de Carajás]. Os Awá são um povo que conhece muito pouco do nosso universo, do que é o Brasil, do que é o presidente, do que é a Vale. Como você vai negociar com um povo que não sabe o que é dinheiro?”, questiona o antropólogo.




Carta dos Povos e Comunidades tradicionais


 Carta dos Povos e Comunidades tradicionais



No âmbito dos eventos da V Semana Social Brasileira e do Encontro Unitário dos Povos do Campo, das Águas e da Floresta, nós, povos indígenas, quilombolas, pescadores artesanais, seringueiros, vazanteiros, quebradeiras de coco, litorâneos e ribeirinhos, comunidades de fundo e fecho de pasto e posseiros de todo o Brasil, mulheres e homens de luta, nos encontramos em Luziânia GO, nos dias de 25 a 28 de fevereiro, para partilhar cruzes e esperanças e repensar as nossas lutas frente ao avanço cada vez mais acelerado e violento do capital e do Estado sobre os nossos direitos.
Vivemos o encontro como um momento histórico, que confirma a realidade indiscutível de uma articulação e aliança entre povos indígenas, quilombolas, pescadores artesanais e camponeses. O diálogo entre povos e comunidades que expressam culturas e tradições diferentes, frequentemente marcadas por preconceitos e rejeição, volta-se para a defesa e reconquista dos nossos territórios.  Este é o processo que unifica sonhos e estratégias na construção de um País diferente que se opõe à doença capitalista do agro e hidronegócio, mineração, hidroelétricas, incentivada e financiada pelo Estado, em nome do chamado desenvolvimento e crescimento do Brasil. 
Não nos deixaremos curvar pelo avanço insaciável do capitalismo com o seu cortejo de políticas governamentais nefastas e genocidas. Território não se negocia não se vende não se troca. É o espaço sagrado onde fazemos crescer a vida, nossa cultura e jeito de viver, nos organizar, ser livres e felizes.
“Territórios livres, já!!!”
“A senzala não acabou. Ficamos livres das correntes e dos grilhões, mas continuamos presos ao cativeiro do sistema”. (Rosemeire, Quilombo dos Rios dos Macacos, Bahia)
Constatamos, mais uma vez, com dor e angústia, o retrocesso armado pelos três poderes do Estado para desconstruir, com leis, portarias, como a 303, PEC 215, ADIN 3239, e decretos de exceção, a Constituição, que garante, em tese, os nossos direitos territoriais e culturais. É revoltoso e doído o que estamos passando nas nossas aldeias, quilombos e comunidades: nossos territórios invadidos, a natureza sendo destruída, nossa diversidade cultural desrespeitada e a sujeição política via migalhas compensatórias. Querem nos encurralar! Sofremos humilhações, violências, morte e assassinatos, o que nos leva a tomar uma atitude.  
O primeiro passo para uma verdadeira libertação do cativeiro a que estamos submetidos, é continuar o diálogo intercultural, para conhecermos melhor nossas diversidades, riquezas e lutas. Segundo passo é encontrarmos estratégias de unificação de nossas pautas para a construção de uma frente unificada, que possa se contrapor, com eficácia, ao capital e ao Estado, a partir de mobilizações regionais dos povos indígenas e das populações do campo, das águas e da floresta. Estamos de olho nas ações dos três poderes do Estado brasileiro, para nos defendermos do arbítrio da desconstrução dos direitos e da violência institucional e privada.
Diante da total paralisia do Governo Dilma em cumprir a Constituição e na contramão da legislação internacional (OIT 169) que decretam o reconhecimento dos direitos dos povos indígenas e das populações tradicionais, exigimos a imediata demarcação e titulação dos nossos territórios.
Acreditamos que a nossa luta, na construção de projetos de Bem Viver, é sagrada, abençoada e acompanhada pelo único Deus dos muitos nomes e pela presença animadora dos nossos mártires e encantados.

Luziânia, 28 de fevereiro de 2013

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

“Nós não precisamos de bolsa família... precisamos ter nosso território livre”


“Nós não precisamos de bolsa família... precisamos ter nosso território livre” 


Dessa forma indígenas, quilombolas, ribeirinhos, fundos de pasto, seringueiros, entre outros, ressaltaram a principal luta comum que possuem atualmente, a luta pelo território.

As representações de comunidades tradicionais presentes no Seminário Os Territórios das Comunidades Tradicionais e o Estado Brasileiro, são unânimes em reafirmar que sua principal luta é a garantia de seus territórios.
Eles e elas falaram da consciência que têm da sua participação na produção de alimentos saudáveis para esse país, bem como peixes e frutos do mar diversos. Entretanto, ainda enfrentam dificuldades em ter a garantia de seu território tradicionalmente ocupado, e local de produção.
Os participantes do Seminário tiveram, na tarde de ontem, 26 de fevereiro, a assessoria de dois advogados do CIMI, Adelar e Alessandra, para debater e tirar dúvidas sobre os seus direitos ao território que ocupam. Segundo eles, o estado brasileiro sempre restringiu os direitos dos povos e comunidades tradicionais, mesmo após a promulgação da constituição de 1988. Há na Constituição, entretanto, diversos artigos que garantiriam os direitos dessas comunidades, mas não basta isso se o governo não atuar de forma a que essas leis e emendas sejam respeitadas.

Adelar destacou os elementos que compõem a questão dos territórios tradicionais. A conquista do território não se limita à posse da terra. Ao estar nos territórios em liberdade tem que existir, também, dignidade e identidade. “Dignidade é tudo aquilo que não tem preço: não se vende e nem se compra”, completou ele, que também destacou que a Constituição Federal assegura os direitos dos camponeses e camponesas, e a própria realização da reforma agrária. Os artigos 184 e 186, respectivamente, que garantem a desapropriação de terras para reforma agrária das terras que não cumprem sua função social, são um exemplo disso.
Além disso, os artigos 231 e 232 reconhecem o direito aos povos indígenas de suas organizações e forma de vida e cultura. E dentro desse contexto, está o território. A condição de território a uma comunidade tradicional vai muito além da terra como modo de produção. Há vários elementos que permeiam a cultura desses povos e os relacionam, de formas diferentes, ao território que ocupam.


segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Denúncia de espionagem envolve Consórcio Construtor de Belo Monte


Denúncia de espionagem envolve Consórcio Construtor de Belo Monte








Empregado do Consórcio Construtor Belo Monte é flagrado em reunião do Movimento Xingu Vivo com caneta espiã. Em vídeo, ele diz que trabalhava com ajuda da Abin 

O Ministério Público Federal recebeu denúncia de que o Consórcio Construtor de Belo Monte (CCBM) organizou esquema de espionagem contra movimentos sociais e sindicais que se opõem à construção da Hidrelétrica de Belo Monte. De acordo com o Movimento Xingu Vivo para Sempre, um empregado do consórcio foi  flagrado infiltrado na reunião de planejamento realizada neste domingo (24) gravando o encontro com uma caneta espiã. Questionado, ele se disse arrependido e concordou em gravar o depoimento em vídeo abaixo detalhando sua atuação. Além disso, apresentou crachá e carteira profissional na qual consta o registro da empresa, que foram fotografados pelos integrantes do grupo.



A procuradora Thais Santi Cardoso da Silva, acionada pelo advogado do Xingu Vivo, Marco Apolo Santana Leão, diz que ainda não foi decidido o encaminhamento que será dado ao caso, mas manifesta preocupação sobre a gravidade do que foi relatado. “Os movimentos sociais têm todo direito de reivindicar [a interrupção da obra] e essa atitude é extremamente preocupante”, afirma. O empregado do CCBM chegou a concordar na noite de domingo, 24, em prestar depoimento ao MPF, mas depois voltou atrás e passou a negar tudo que havia dito.
Procurada, a assessoria de imprensa do consórcio não se posicionou antes da publicação desta reportagem. Além do CCBM, o homem flagrado denunciou o envolvimento da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), que também não se posicionou até a conclusão deste texto.
Movimento sindical


Em sua denúncia, o empregado do consórcio diz ter começado a atuar como agente infiltrado no segundo semestre do ano passado em canteiros de obra para identificar lideranças operárias, de modo a desmobilizar novas greves. Antes disso, em março de 2012, após a morte de um trabalhador, uma greve geral paralisou os canteiros.

Manifestação de trabalhadores em um dos canteiros em 2012 - Foto Ruy Sposati
O agente acredita que o trabalho que realizou desde então foi decisivo para a prisão dos cinco acusados de terem comandado a última revolta de trabalhadores nos canteiros de Belo Monte, ocorrida em novembro do ano passado, e na demissão de cerca de 80 trabalhadores.
Ele se infiltrou no Movimento Xingu Vivo em dezembro, beneficiado pela  amizade de sua família com a coordenadora do movimento, Antonia Melo. Passou então a acompanhar reuniões e monitorar os participantes.
Flagrado na última reunião do grupo, afirmou estar arrependido, pediu desculpas a todos e prometeu ir a público denunciar a situação. Após gravarem o vídeo com o relato, representantes do movimento chegaram a acompanhá-lo a sua casa, onde apresentou registro profissional comprovando ser empregado do consórcio. Ele concordou em prestar depoimento no Ministério Público Federal no mesmo dia, porém, mais tarde mudou de ideia e passou a negar tudo que havia dito.
Segundo o movimento, em seguida, ele enviou a seguinte ameaça em uma mensagem por celular para um dos integrantes: “vocês me ameaçaram, fizeram eu entrar no carro, invadiram minha casa sem ordem judicial. Isso é que é crime. Vou processar todos do Xingu Vivo. Minha filha menor e minha mulher são minhas testemunhas. Sofri danos morais e violência física. E vocês vão se arrepender do que fizeram comigo”.
Responsabilidades

Antes de se arrepender de ter feito a denúncia, o trabalhador chegou a dar detalhes sobre o esquema de espionagem, informando inclusive o nome dos que o contrataram e detalhes sobre como o serviço era executado. Em nota, o grupo afirma que “apesar da atitude criminosa” e de “não eximi-lo de sua responsabilidade”, “o Movimento Xingu Vivo para Sempre entende que o maior criminoso neste caso é o Consórcio Construtor Belo Monte, que usou de seu poder coercitivo e financeiro para transformar um de seus funcionários em alcaguete”.  O grupo cobra a responsabilização da empresa e do governo federal devido à participação da Abin e diz que considera “inadmissível que estas práticas ocorram em um estado democrático de direito”.

Antes mesmo de o caso ser divulgado, em audiência pública realizada nesta manhã, deputados federais da Comissão Parlamentar de Inquérito do Tráfico de Pessoas já haviam manifestado preocupação em relação ao que consideram perseguição a movimentos sociais na região. A sessão realizada em Altamira (PA)  tinha como objetivo discutir e levantar informações sobre o caso de escravidão sexual de 14 pessoas denunciado na semana passada, que acontecia em uma boate vizinha a um dos principais canteiros de obras, em área declarada de interesse público para Belo Monte. Estiveram presentes os deputados federais Arnaldo Jordy (PPS), presidente da CPI, Cláudio Puty (PT) e José Augusto Maia (PTB).
Entre as principais reclamações e críticas dos movimentos que se opõem a hidrelétrica estão os impactos socioambientais previstos, o desmatamento e problemas técnicos no planejamento e execução do projeto. Os opositores defendem a interrupção da construção da barragem e têm seguidamente apresentado denúncias de problemas graves decorrentes da obra.

sábado, 23 de fevereiro de 2013

Por causa de ‘dois peixinhos’ …


Por causa de ‘dois peixinhos’ …

Por , 23/02/2013 11:29
Foto: Renato Soares

Por Tereza Amaral
O adolescente Denilson Barbosa Guarani-Kaiowá, 15 anos, foi abatido com tiros de uma espingarda rifle Winchester 44, calibre 22, pelo fazendeiro Orlandino Carneiro Gonçalves. Após livrar o flagrante, ele compareceu na delegacia em companhia do advogado. Mesmo tendo confessado a autoria do crime, saiu pela porta da frente.
Ao contrário do fazendeiro, o jovem teve a porta da vida trancada aos gritos de “morre cachorro”, segundo depoimento do seu irmão mais novo e de um cunhado. Os três haviam saído da aldeia Teyi’kue para pescar em um açude da fazenda. Orlandino Gonçalves com dois empregados, possivelmente pistoleiros, os viu. Um deles foi o autor da frase que por si só denota o ódio pelos índios. 
Ainda segundo depoimento das testemunhas escondidas em moitas, o trio colocou o corpo do garoto na carroceria de uma caminhonete e, posteriormente, fez a ‘desova’ em um canavial. Um funcionário de uma fazenda vizinha – que dirigia um caminhão pela vicinal – encontrou às 5 da manhã, no domingo passado.
Até ontem a polícia federal não havia entrado no caso do adolescente executado barbaramente com um tiro de espingarda no rosto. A notícia foi dada aos pais pela criança – irmão – que jamais esquecerá a cena dantesca. O fazendeiro Orlandino Gonçalves, cuja foto não ‘existe’ na internet – pesquisei em jornais, blogs, pelo nome – não executou apenas Denilson, mas parte do seu irmão, da etnia Guarani-Kaiowá, e – caso não seja preso- mata a Justiça.
Isso sem falar que será um incentivo para inúmeros latifundiários que estão de olho em terras indígenas ancorados pela Bancada Ruralista. Mas a delegada Magali Cordeiro, responsável pelo inquérito policial, acredita que os elementos já são suficientes para concluir o inquérito, o que deve levar à prisão do fazendeiro.

Trabalho Escravo
Os indígenas, inclusive o pai e o próprio Denilsom, trabalharam na fazendo do fazendeiro Orlandino Gonçalves. E segundo relato de um ancião ao jornalista Ruy Sposati ( Cimi) muitos Guarani -Kaiowá também já trabalharam a troco de carne, arroz e sal . E fica uma indagação: isso não caracteriza trabalho escravo?
A fazenda se encontra em área indígena.“Aqui antigamente era o tekoha (território tradicional) Guarani e Kaiowá Pindoroky. A gente acha que pode ter sido gente do SPI (Serviço de Proteção ao Índio, antigo órgão oficial indigenista do Estado brasileiro) que vendeu para fazendeiros. Então foi roubado da gente e agora que ele matou, nós tomamos de volta o que já era nosso”, afirma uma liderança indígena ao jornalista.
O que vai acontecer vamos aguardar… Mas a vida do garoto considerado bom aluno acabou. “Um rapaz sério”, disse um de seus professores. “Ele matou nosso aluno, por causa de dois peixinhos. Não conseguimos entender porque Orlandino ainda está solto”, questiona em entrevista concedida a Ruy Sposati.

Fonte: Cimi

Lideranças mundurukus não aceitam construção de hidrelétricas no Rio Tapajós


Lideranças mundurukus não aceitam construção de hidrelétricas no Rio Tapajós

Alex Rodrigues
Repórter Agência Brasil

Brasília – Preocupados com o impacto de novas usinas hidrelétricas no Rio Tapajós, na região amazônica, líderes indígenas das comunidades mundurukus do Pará e Mato Grosso disseram a representantes do governo federal que farão de tudo para impedir que os empreendimentos - em fase de estudos - sejam levados adiante.
Os índios prometeram se unir a outros segmentos, como populações ribeirinhas e organizações não governamentais (ONGs), para inviabilizar as obras do chamado Complexo Tapajós.  
Lideranças mundurukus dos dois estados passaram a semana em Brasília, onde se reuniram com os ministros da secretaria-geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho; da Justiça, José Eduardo Cardozo; e de Minas e Energia, Edison Lobão, além da presidenta da Fundação Nacional do Índio (Funai), Marta Azevedo.
O grupo viajou à capital federal para exigir a apuração da morte do índio Adenilson Munduruku, ocorrida em novembro de 2012, durante a Operação Eldorado, da Polícia Federal, e para cobrar solução para problemas na saúde, educação e infraestrutura das terras indígenas.
Hoje (22), às vésperas de retornarem a suas aldeias, os líderes disseram à Agência Brasil que estão decepcionados. Segundo queixa de Valdenir Munduruku, da Aldeia Teles Pires, em Jacareacanga (PA), os ministros e técnicos do governo federal só demonstravam disposição durante as reuniões para discutir a construção das hidrelétricas e o aproveitamento do potencial hídrico do Rio Tapajós.
“Não viemos a Brasília falar disso. Não há o que conversar sobre a construção de usinas em terras indígenas. Somos contra e queremos a paralisação imediata dos estudos que estão sendo feitos na região”, declarou Valdenir. Ele lembrou que a Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário, determina que as comunidades indígenas sejam consultadas previamente em caso de empreendimentos que afetem seus territórios.
Apesar disso, ontem (21), a vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat, coordenadora da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, lembrou ao grupo que, embora as comunidades indígenas precisem ser ouvidas, inclusive durante a elaboração do Estudo de Impacto Ambiental (EIA), elas não têm o poder de vetar os empreendimentos.
Valdenir foi taxativo ao dizer que a viagem a Brasília não valeu à pena, já que, segundo ele, nenhum representante do governo assumiu qualquer compromisso de atender às reivindicações do grupo – entre elas o esclarecimento da morte de Adenilson e o pedido de reparação pelos danos causados à comunidade durante a operação da Polícia Federal.
Segundo a assessoria, o ministro de Minas e Energia Edison Lobão garantiu aos líderes mundurukus, na última quarta-feira (20), que o aproveitamento hidrelétrico do Rio Tapajós “será um modelo para o mundo em termos de preservação do meio ambiente e de respeito aos povos indígenas”. Ainda de acordo com a assessoria, Lobão destacou a necessidade das hidrelétricas para o país e garantiu que, graças à tecnologia empregada, os empreendimentos causarão um impacto mínimo.
“O governo não se preocupa com nada disso”, rebateu, hoje (22), Valdenir. “Sabemos que parte da energia [produzida] se perde na rede de distribuição, que é sucateada. Também sabemos que existem várias outras formas de produzir energia. Formas realmente limpas como a eólica e a solar. E também há lâmpadas que gastam menos energia”, concluiu o representente munduruku.
Edição: Davi Oliveira
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Conselho Universitário da UENF aprova a criação do Espaço Agroecológico Cícero Guedes


Conselho Universitário da UENF aprova a criação do Espaço Agroecológico Cícero Guedes



Numa demonstração inequívoca de que a UENF entende perfeitamente a importância que o líder assassinado do MST tinha para sua comunidade universitária, o Conselho Universitário (órgão deliberativo supremo da instituição) acaba de aprovar na reunião desta 6a. feira (22/02/2013), a criação do Espaço Agroecológico Cícero Guedes. A proposição foi encaminhada pelo Professor Carlos Eduardo Rezende, chefe do Laboratório de Ciências Ambientais do Centro de Biociências e Biotecnologia da UENF.

Além da importância desse reconhecimento institucional, a criação do Espaço Agroecológico Cícero Guedes ratifica o compromisso que diversos pesquisadores da UENF possuem com a afirmação da produção saudável de alimentos nos assentamentos de reforma agrária existentes na região Norte Fluminense. Esse compromisso era um dos que mais movia a ação militante de Cícero Guedes, e essa homenagem é mais do que justa.

Agora, mais do que nunca, Cícero  continuará presente na vida da UENF! 


Homens armados atacam acampamento; fazendeiro que matou indígena entra com reintegração de posse


Homens armados atacam acampamento; fazendeiro que matou indígena entra com reintegração de posse


Foto: Ruy Sposati (Cimi/MS)
O fazendeiro Orlandino Gonçalvez Carneiro, que confessou ter matado o Kaiowá de 15 anos Denilson Barbosa, da aldeia Teyikue, em Caarapó (MS), entrou com pedido de reintegração de posse contra os indígenas. O processo foi distribuído na quinta-feira, 21, no final da tarde, na 1a. Vara Cível da Comarca de Caarapó da Justiça estadual.

Desde segunda-feira, cerca de 500 indígenas da comunidade do jovem assassinado reocupou a área, reivindicando a fazenda como o antigo território tradicional Pindoroky.

Na sexta-feira, 22, por volta do meio dia, indígenas relataram que um grupo de pessoas armadas esteve no portão da fazenda e deram quatro tiros. Os disparos não atingiram ninguém. Para os indígenas, o ataque tem ligação com os fazendeiros da região e com a família envolvida no crime. Os indígenas tentaram alcançar os atiradores, que fugiram quando a comunidade se aproximou. A Força Nacional está a caminho da área para investigar as denúncias.

Membros do Conselho do Aty Guasu que acompanham as movimentações na área estão no local e reforçam a denúncia do ataque ocorrido hoje, mas desmentem a informação de que esteja ocorrendo despejo. Segundo lideranças do conselho, o processo está sendo acompanhado pelo Conselho Continental da Nação Guarani, Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), além da Fundação Nacional do Índio (Funai), Polícia Militar, Polícia Civil, Polícia Federal e Força Nacional. Ainda, o Conselho orienta que jornalistas tomem como fontes sobre o assunto apenas as lideranças indígenas que estão no local, a Funai e a Polícia Federal.

Os indígenas refutam os argumentos da petição inicial da ação, assinada pelos advogados Suely Rosa Silva Lima e Carlos Edilson da Cruz. Segundo os advogados, os indígenas não teriam permitido a entrada das "autoridades policiais, estadual e federal", e que o fazendeiro não teria recolhido o rebanho bovino, e assim não estaria "podendo receber os cuidados necessários".

Por se tratar de direitos indígenas, a Orlandino ingressou com a ação de reintegração de posse na Justiça Estadual do Mato Grosso do Sul. A Constituição dá competência de julgamento de questões relativas aos direitos indígenas à Justiça Federal, o que deve levar o juiz da 1a. Vara a pedir o deslocamento de competência da ação.

Referência processual: 0800303-24.2013.8.12.0031 - Comarca de Caarapó/TJMS



quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

MPF/MA cobra soluções para a educação indígena no Maranhão


MPF/MA cobra soluções para a educação indígena no Maranhão

(21/02/2013)Em reunião, o MPF buscou agilidade no andamento das medidas acordadas pela Seduc para resolver problemas enfrentados pelos indígenas com a educação do Estado


O Ministério Público Federal no Maranhão (MPF/MA) se reuniu nesta quarta-feira, 20, com representantes da Secretaria de Estado de Educação (Seduc), Fundação Nacional do Índio (Funai) e lideranças indígenas Krikati e Guajajara, para verificar o andamento das propostas de melhorias na educação indígena, firmado com o Estado do Maranhão, no ano passado, por meio do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC).
 
O acordo com o Estado é para buscar a solução de problemas identificados pelo MPF na educação indígena no Maranhão, como péssimas condições de funcionamento das escolas indígenas, o inadequado fornecimento de material didático pedagógico, a ausência de um projeto pedagógico específico e a inexistência de formação e capacitação de professores.
 
O procurador da República Alexandre Silva Soares, que coordenou a reunião, explica que, além dos problemas de estrutura nas escolas indígenas, há ausência de diretrizes pedagógicas específicas para a educação, que deve corresponder a ações específicas e diferenciadas considerando as diversidades de culturas e tradições dos vários povos indígenas do Maranhão.
 
A pauta desta reunião foi voltada para tratar da elaboração do Projeto Pedagógico específico e diferenciado para atender as necessidades educacionais dos indígenas e a formação e capacitação do magistério, inclusive com estudos visando a criação da função de professor indígena. 
 
Algumas medidas firmadas para solucionar os problemas de estrutura e condições de funcionamento das escolas indígenas, já tiveram seus prazos vencidos, e o MPF já notificou a secretaria pelo descumprimento do acordo.
 
Para a coordenadora regional do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), os problemas da educação indígena no Maranhão já existem há muito tempo e precisam caminhar para uma solução. “Com esta reunião nós renovamos nossas esperanças e esperamos que com esta intervenção do MPF os problemas sejam solucionados pela secretaria”.
 
A reunião contou, também, com a participação de representantes da Universidade Federal do Maranhão (Ufma), Universidade Estadual do Maranhão (Uema), Instituto Federal do Maranhão (Ifma), e outras entidades voltadas para as questões indígenas. 
 
 
Assessoria de Comunicação
Procuradoria da República no Maranhão
Tel: (98) 3213-7100
E-mail:ascom@prma.mpf.gov.br
 


Prostíbulo estava em área declarada de interesse público para Belo Monte


Prostíbulo estava em área declarada de interesse público para Belo Monte

Boate em que 14 mulheres foram submetidas a escravidão sexual fica em um dos poucos terrenos ainda não desapropriados pela Norte Energia na Vila São Francisco

A Boate Xingu, onde 14 mulheres foram resgatadas na semana passada, está localizada em área declarada de interesse público para a construção da usina de Belo Monte, em Vitória do Xingu (PA). Segundo a polícia civil, as vítimas, entre as quais estão uma adolescente de 16 anos e uma travesti, estavam submetidas a condições análogas à escravidão e foram aliciadas em estados do Sul do país, o que pode configurar tráfico de pessoas.
Em 5 de março de 2011, a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) publicou a resolução autorizativa número 2.853, “que declara de utilidade pública, para fins de desapropriação, em favor da Norte Energia S.A., as áreas de terra necessárias à implantação da UHE Belo Monte, localizadas no Município de Vitória do Xingu” (clique aqui para ler o documento em PDF). De acordo com a ANEEL, a área perfaz 3.536,2587 hectares de “propriedades particulares localizadas no Município de Vitória do Xingu, Estado do Pará, necessárias à implantação da UHE Belo Monte, representadas nos desenhos intitulados: ‘UHE Belo Monte – Canteiro de Obras – Sítio Pimental’ e ‘UHE Belo Monte – Canteiro de Obras – Sítio Belo Monte’”, e engloba a Vila São Francisco, onde o dono da Boate Xingu, Adão Rodrigues, teria arrendado 2 hectares de um morador local.
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No último dia 18, o Consórcio Norte Energia, responsável pela construção de Belo Monte, informou, através de nota à imprensa, que “o referido imóvel [Boate Xingu] funcionava em uma chácara na zona rural daquele município [Vitória do Xingu], em terreno particular de propriedade desconhecida e distante cerca de 20 quilômetros do canteiro de obras mais próximo”.
De fato, segundo moradores locais, o sitio arrendado a Rodrigues ainda não foi desapropriado pela Norte Energia, ao contrário de outros terrenos da comunidade. De acordo com Pedro dos Santos, coordenador regional da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Pará (Fetagri), “quase todos os lotes da Vila São Francisco já foram desapropriados. Em um deles, ao lado da boate, há uma área onde a Norte Energia leva animais resgatados na região. Do outro lado da boate fica a casa do pobre de um pastor evangélico, que também não foi desapropriado ainda; o resto foi quase tudo. É bem na beira do Travessão do 27 (estrada vicinal que dá acesso ao canteiro Canais e Diques da usina)”.
Bruno Carachesti/Diário do Pará
Boate Xingu. Bruno Carachesti/Diário do Pará
A Boate Xingu começou a funcionar no local no final de 2012, explica o delegado Cristiano Marcelo do Nascimento, superintendente regional da polícia civil. “Antes, o Adão tinha uma outra boate, que ele montou ainda em 2011 na rodovia PA 415, que liga Altamira à Vitória do Xingu. Ficou lá uns seis meses, mas era fora de mão, não tinha movimento. Aí ele fechou. Foi entre outubro e novembro que ele abriu a nova boate no Travessão do 27”.
De acordo com um funcionário de uma empresa terceirizada que trabalha no transporte de trabalhadores de Belo Monte, de fato a nova localização do prostíbulo foi estrategicamente calculada para atender os operários da usina. “A Norte Energia melhorou a estrada para permitir o acesso aos canteiros, e a boate ficou bem no ponto de fácil acesso. Sempre está cheia de trabalhadores”, conta o motorista, que pediu para não ser identificado.
Prostituição e exploração de crianças

Depois do resgate das vitimas da Boate Xingu, ainda na semana passada a polícia civil realizou outra operação na cidade de Altamira, que resultou no fechamento de mais três boates por crime de rufianismo (definido pelo artigo 230 do Código Penal Brasileiro como “Tirar proveito da prostituição alheia, participando diretamente de seus lucros ou fazendo-se sustentar, no todo ou em parte, por quem a exerça”). De acordo com o delegado Cristiano do Nascimento, a maioria das mulheres resgatadas nesta operação também não era do Pará. “Havia moças do Acre, do Amazonas, Amapá e Maranhão”. No conjunto das operações, foram resgatadas 34 mulheres.

Já na manhã desta quarta-feira, 20, a polícia de Vitória do Xingu prendeu Marlene Lopes Carlos, dona de um bar na vila de Belo Monte (localizada entre Altamira e Anapu, próximo ao sitio Belo Monte, um dos quatro canteiros da usina), e resgatou outras três mulheres e uma travesti. “Desde o ano passado recebemos denúncias de prostituição ilegal na Vila Belo Monte. Mas hoje constatamos de fato a prática e efetuamos a prisão da cafetina”, relata Cristiano Nascimento. De acordo com o delegado, problemas com prostituição na região da usina estão aumentando em razão do grande número de operários. “Não tem jeito, outros locais surgirão na região”, avalia.
A opinião é compartilhada pelo professor e pesquisador da Universidade Federal do Pará, Assis Oliveira, que estuda a violência sexual contra crianças e adolescentes na região com apoio do Programa de Ações Integradas e Referenciais de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil, do governo federal (PAIR).
Segundo o pesquisador, o número de denúncias cresceu muito nos últimos três anos, e há mais de 170 casos de violência sexual (principalmente estupro) contra crianças e adolescentes registrados na 5ª Vara da Justiça Estadual em Altamira, sendo 5% de exploração sexual. “Um dos vetores destes problemas sem dúvida é a chegada de Belo Monte. Mas também temos que reconhecer que o poder público tem sido mais atuante, o atendimento às vítimas melhorou e aumentou a conscientização. Assim também aumentou o número de denúncias”.
De acordo com um relatório publicado no site do Ibama, entre 2009 e 2012 foram registrados 50 casos de prostituição, estupro e abuso contra crianças e adolescentes nos municípios de Altamira, Anapu, Senador José Porfírio, Vitória do Xingu e Brasil Novo, mas estes números estão largamente subestimados, afirmam pesquisadores da área. “Não há uma metodologia de gerenciamento das denúncias, o que torna mais difícil quantificar os casos de violência sexual”, avalia Assis Oliveira.