Por J.Rosha,
de Manaus (AM)
Costumamos
ouvir que o povo brasileiro não tem memória. Pode até ser que algumas
situações requeiram esforço considerável para recordar determinados
eventos. Outros, porém, pelas profundas marcas que deixam, não são
facilmente esquecidos. Há quem tenha tentado fazer esquecer a ditadura
militar de 50 anos atrás, mas por causa das muitas sequelas que ela
deixou está longe de ser “coisa do passado”.
Ela
ainda é muito presente por, pelo menos, duas situações: pelo grande
número de mortos e desaparecidos, e pela inspiração do modelo
desenvolvimentista que faz o governo atual repetir fórmulas autoritárias
para tratar como certos segmentos da sociedade, sobretudo com os povos
indígenas. A ação do Governo Federal contra o povo indígena Munduruku,
da região do Tapajós, no Estado do Pará, é um dos casos mais eloquentes
da presença desse ‘espírito’ da ditadura no modus operandi dos atuais
gestores do estado brasileiro.
Hoje,
10/04, pela manhã, no auditório Rio Solimões, do Instituto de Ciências
Humanas e Letras – ICHL, da Universidade Federal do Amazonas – Ufam, o
Comitê da Verdade do Amazonas promoveu uma mesa redonda da qual
participaram jornalistas, indigenistas, acadêmicos e professores para
discutir “O Golpe Militar e as ações dos militares no Amazonas”. A mesa
era composta por Egon Heck, assessor da Comissão Nacional da Verdade,
Elaíze Farias, jornalista; Aloysio Nogueira, professor aposentado da
Ufam; Egydio Schwade, indigenista e por Nelson Noronha, representando a
Ufam.
As
exposições revelaram que os povos indígenas estão entre as maiores
vítimas da ditadura militar no Amazonas. Os Waimiri-atroari sofreram o
maior golpe do que se tem notícia hoje, no Amazonas. Mais de dois mil
membros de sua população foram massacrados pelas expedições destinadas a
“pacificar” os indígenas para que eles aceitassem a construção da
BR-174.
No
Pará, os Munduruku convivem há mais de duas semanas com mais de 250
homens da Força Nacional de Segurança, deslocados para Itaituba para
garantir os trabalhos de pesquisas para a construção do complexo
hidrelétrico do Tapajós. A obra, tal como Belo Monte, também no Pará,
tem de ser construída por determinação do Governo Federal, à revelia dos
interesses das populações localizadas no entorno de onde a barragem
deve ser construída.
No
caso dos Waimiri-atroari, os militares tiveram grande ajuda do capital
privado na tentativa de varrer a sujeira para baixo do tapete. A
mineradora Paranapanema juntamente com a Eletronorte – concessionária de
energia elétrica, na ocasião – criaram um invólucro àquele povo chamado
“Programa Waimiri-Atroari”, responsável pelo completo isolamento
daquele povo, como bem frisou a jornalista Elaíze Farias. “Já tentei
agendar entrevista com as lideranças indígenas, mas os emails que mando
não tem resposta”, contava ela após relatar experiências de trabalho
entre os Yanomami, da região do Rio Negro, e entre povos do Vale do
Javari, no Amazonas.
O
debate mostrou também que novas ameaças pairam sobre os povos
indígenas. Depois de conquistarem direitos históricos na Constituição de
1988, os povos indígenas do Brasil estão ameaçados pelas mobilizações
de setores políticos para aprovar o projeto de Lei da Mineração
(PL=1610/06), de autoria do Senador Romero Jucá. A propósito, este é
mais um ilustre personagem que transita no mundo indígena desde os
tempos da ditadura. Ele foi presidente da Fundação Nacional do Índio –
Funai, de 1986 a
1988, coincidentemente no período em que mais de 40 mil garimpeiros
invadiram o território Yanomami e deixaram saldo de mais de três mil
indígenas mortos até 1992, ano em que a terra daquele povo foi
homologada.
“Está
em curso uma nova investida contra os direitos dos povos indígenas”,
disse Egon Heck. “O PL 1610 representa um grande risco para os indígenas
e temos que fazer uma grande mobilização nacional para impedir sua
aprovação”, acrescentou.
O
indigenista Egydio Schwade, que trouxe à tona a verdade sobre o
massacre aos Waimiri-Atroari na década de 1980, destacou que “o lugar
onde nos colocamos é que faz a diferença: ou estamos ao lado dos
poderosos, ou nos colocamos ao lado dos segmentos excluídos da
sociedade”. O apelo vem na hora necessária. Tal como em todos os
momentos decisivos para os povos indígenas, é hora da sociedade se
manifestar em apoio a esses povos para evitar as investidas certeiras do
estado brasileiro contra suas terras e seus direitos. Foi assim que a
ditadura ruiu em meados da década de 80. E só com a solidariedade dos
diversos segmentos sociais serão derrotados os inimigos dos povos
indígenas e será apagado definitivamente o rescaldo da ditadura militar.
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