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quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

"Nós não existimos para ele", disse cacique, após Cabral anunciar museu do COB




"Nós não existimos para ele", disse cacique, após Cabral anunciar museu do COB 

Antigo prédio do Museu do Índio será destinado à criação do museu do Comitê Olímpico Brasileiro


Jornal do BrasilÍris Marini




Depois de desistir da demolição do antigo prédio do Museu do Índio, e propor à Aldeia Maracanã, alocada no prédio, a criação do Centro de Referência da Cultura dos Povos Indígenas, o governador do Estado do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, afirmou em entrevista nesta quarta-feira (20), que no imóvel será criado o museu do Comitê Olímpico Brasileiro (COB). 
Além do novo museu do COB, a empresa que vencer a licitação do Maracanã, que de acordo com o Cabral será escolhida e publicada até a segunda-feira, 25, terá ainda a responsabilidade da criação de estacionamentos e de toda a área que envolve ainda o Parque Aquático Julio De Lamare e a pista de atletismo, Célio de Barros. 
Para o cacique da aldeia, Carlos Tukano, esta é mais uma promessa que não está sendo cumprida por Sérgio Cabral: “Eu não estou entendendo. Isso é uma surpresa pra mim. Estamos sem ação. Nós tentamos buscar um diálogo com ele, já que se prontificou a tombar o museu e, no meio da negociação, de um dia para o outro, ele muda de ideia e destina o prédio para o COB? Nós não existimos para ele. Ele está traindo as próprias palavras que disse para mim”, lamenta o cacique, que disse não ter tido nenhuma informação oficial do Governo sobre esta decisão.




“O Brasil e o mundo sabem o que ele [o governador Sérgio Cabral] fez no dia 12. Como não conseguiu nos tirar à força com camburões, está fazendo isso”, lamentou o cacique, se referindo à madrugada de 12 de janeiro, quando foram enviadas tropas de choque do Batalhão de Operações Especiais (Bope) e a polícia militar para invadir o local, mas não houve a invasão porque não tinham autorização judicial. Depois deste episódio, segundo o índio, o governador recuou, dizendo que iria reestruturar o antigo museu.
“Ele nos mandou uma carta com a proposta do centro indígena no mesmo dia em que nos deram dez dias para deixar o prédio, com prazo improrrogável. Nós não somos invasores. Este é o prédio que abriga a história. O governador continua negando o nosso direito de índio. Isto está nos decepcionando muito”, afirma Tukano. Na proposta enviada pelo Governo, o Centro de Referência deveria ter como finalidade, entre outras atribuições, a realização de estudos e pesquisas sobre culturas indígenas brasileiras, promoção da cultura do resgate e proteção ao ambiente e comercialização do artesanato e arte indígena.
Cacique diz que apelará para Dilma
“Só tenho uma coisa a dizer se ele não fizer o que se comprometeu, eu vou até a presidência da República. Falarei com a Dilma. Eu não vou aceitar isso fácil. Podemos até perder o prédio, mas antes eu falo com a presidente”, prometeu.
“Estamos lutando por 304 etnias e 830 mil povos, que representam milhões de pessoas. Quero conversar cara a cara com o governador e tentar entender a posição dele, pois se comprometeu com a população brasileira e indígena. Isto não é uma brincadeira. Não estou brigando nem criando polêmica, sei que ele é um pai de família, como nós somos, e um governador capaz, que já foi senador. Ele sabe do que se trata esse lugar. Estou muito triste”, queixou-se.
Palavras controversas
A assessoria do Comitê Olímpico Brasileiro afirmou que não pode confirmar oficialmente a declaração do governador Sérgio Cabral de que a ideia partiu de Nuzman, conforme alegou o governador, e que no prédio seria criado o museu do COB. Entretanto, Cabral anunciou e comemorou a criação do museu.
“O museu é uma decisão, a partir da sugestão do presidente Carlos Arthur Nuzman, que nós achamos excepcional. A concessionária vencedora do Maracanã se responsabilizará pelo restauro, recuperação e preparo do prédio e todo o conteúdo e toda a gestão ficará sob responsabilidade do Comitê Olímpico Brasileiro. É um sonho antigo. Que eu me lembre bem, antes de ganharmos os Jogos Olímpicos, o presidente Nuzman acalentava esse sonho de ter um museu olímpico. Se recuperarmos notas e matérias de jornais bem antes de 2009, já havia toda essa perspectiva de ter um museu olímpico no Rio de Janeiro. Após 2009, com 2016, é óbvio que tem tudo a ver, e é do lado Maracanã, então, é extraordinário”, disse Sérgio Cabral.
Para o defensor público federal Daniel Macedo, titular do 2º Ofício de Direitos Humanos e Tutela Coletiva da DPU/RJ e responsável pelas ações relacionadas ao caso que tramitam na Justiça Federal, a ideia de transformar aquele prédio histórico em um Museu Olímpico vai de encontro ao que, desde o início, vem sendo pleiteado pela DPU e também pelas manifestações populares e instituições que apoiam a Aldeia Maracanã. Segundo Daniel, “esta é uma tentativa do Governo estadual de atrair simpatizantes ao seu projeto e, ao mesmo tempo, de desacreditar a luta dos índios da Aldeia Maracanã. O Brasil, além de sediar uma Olimpíada pela primeira vez, não tem um histórico robusto que legitime a criação de um museu de uma hora para outra. Se isso não é verdade, por que não criaram antes esse museu?”, questiona.
A Defensoria Publica da União informou que também não foi comunicada oficialmente sobre a pretensão do Governo do Estado do Rio de Janeiro. “O Governo do Rio sempre se mostrou contraditório no trato da questão. A princípio, queria demolir; depois, tombar o prédio pela importância histórica indígena; e agora quer transformá-lo em um museu com finalidade totalmente destoante da memória indígena”, comenta o defensor.
Ainda em outubro de 2012, Cabral foi oficialmente desmentido pela FIFA, quanto à afirmação de que a entidade tinha exigido a demolição do prédio. A versão de Cabral é contrária a um documento enviado pela FIFA à Defensoria Pública da União (DPU), obtido com exclusividade pelo Jornal do Brasil. No ofício, assinado por Fulvio Danilas, diretor do Escritório da FIFA no Brasil, a entidade desmente essa tese.
Meu Rio se prepara para novas ações
O coordenador de campanha do Meu Rio, Rafael Rezende, informou que a equipe do movimento tentou falar com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), para tentar agilizar o tombamento do local. 
”Infelizmente é um processo muito burocrático. Nos explicaram que a ideia tem que passar pelo conselho e, além disso, só há quatro reuniões por ano a respeito. A solução que encontramos foi dar aos cariocas o telefone da presidência do COB, para todo mundo ligar para lá, e deixar um recado ao Carlos Nuzman: Ficamos feliz que ele tenha dado uma sugestão, mas pedimos que ele abra mão dela pra deixar que o governador ouça o que milhares de cariocas estão sugerindo há meses", contou Rafael.
De acordo com o defensor público Daniel Macedo “o tombamento é necessário para preservação dos fatos indígenas memoráveis que ocorreram naquele imóvel”.
“A construção de um museu olímpico vai na contramão da destinação natural que surgiria com o tombamento. Esse projeto repentino deixa claro o posicionamento do Governo de fulminar com tudo que aquele prédio representa. Qualquer tentativa de descaracterizar o patrimônio imaterial que se quer proteger será objeto de Ação Civil Pública”, concluiu Daniel.
A mobilização do Meu Rio em apoio à causa começou com uma petição endereçada à presidente Dilma, que recolheu quase 20 mil assinaturas.


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